"O Poder do Cão-The Power of the Dog", 2021, é uma obra-prima “politicamente incorrecta” com origem na literatura, romance homónimo de 1967 de Thomas Savage (25/4/15-25/7/03), adaptada agora ao cinema com uma banda sonora de Jonny Greenwood neste caso, embora não tenha sido a primeira tentativa. Mas foi desta vez que atingiu o sucesso mundial. Este filme foi galardoado com o Óscar para a Melhor Realizadora, Jane Campion. Mas também foi considerado o Melhor Filme e Realização nos prestigiados prémios do Reino Unido, os Bafta. Bem como o Melhor Filme e Realização e Melhor Actor Secundário para os prémios Globo de Ouro, prémios outorgados pela Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood. E ainda Melhor Elenco de Actores nos prémios Satellite, os quais são atribuídos anualmente em Los Angeles pela International Press Academy para honrar as melhores realizações da indústria cinematográfica e televisiva, como presságio dos Óscares. O filme “O Poder do Cão” estava indicado para 12 Óscares e venceu 1. É um filme contra a corrente que tem por origem um romance contra a corrente. Não ganhou mais prémios aos quais era candidato porque, de modo claro, vai contra certas modas ocidentais culturais. Trata-se da história de 2 irmãos – o másculo Phil e o pacato George. Irmãos muito dependentes entre si num ambiente de Western - apenas um pretexto, pois é um anti-filme-do-Oeste -, os quais eram fazendeiros ricos em 1925 no Estado de Montana, EUA. Esta grande interdependência entre os irmãos acaba quando George se casa com Rose, uma viúva que tinha um filho adolescente. Este último, Peter, adorava arranjos de flores e outros hábitos tidos como “pouco masculinos” para a época. Phil considera que este casamento veio estragar a relação que os 2 irmãos tinham e passa a construir, com os seus lacaios, um ambiente de assédio moral, canibalismo emocional e ameaças contra a integridade física. Rose torna-se alcoólica. O filme é cruel, mas desenrola-se em belas paisagens, na realidade da Nova Zelândia, para cortar despesas face à opção original, Montana. O título “O Poder do Cão” é uma referência ao Salmo 22 do Livro dos Salmos, Antigo Testamento, 22:21: “Livrai a minha alma da espada e querida vida do poder do cão”. Há muitas outras traduções como p.e.: “Livrai da espada a minha alma, e das patas dos cães a minha única (vida)”, Bíblia Sagrada, Missionários Capuchinhos, 14ª Ed., Lisboa, 1988. Trata-se do Rei David que fala em animais com chifres, como os touros, que o querem atacar (13), leões (14) e cães (17). Os inimigos e demónios são aqui representados por animais. Uma das interpretações é ser uma profecia sobre o sofrimento de Jesus Cristo durante a Crucificação. A espada é Roma, o poder político, e a querida é a vida que Cristo oferece a Deus pelos pecados dos outros. O poder do cão incorpora a matilha de cães que representam os inimigos. É o poder de satanás, da besta, e a “querida vida” é a Alma Humana. O filho da viúva Rose, Peter, acaba por matar Phil de forma subtil. Numa das cenas finais, Peter abre e lê a Bíblia precisamente no Salmo 22:21(20). Peter, em legítima defesa preventiva, tinha resolvido fazer justiça pelas próprias mãos alcançando uma auto-libertação. Phil é a espada que se preparava para destruir Rose e Peter. Phil, homossexual não assumido, tinha o hábito de fazer cordas com couro de vacas. E Peter – efeminado -, por quem Phil se apaixonara e declarara protecção, oferece ao próprio Phil um presente envenenado: o couro duma vaca que tinha morrido com a perigosa bactéria de antraz. Rose, Mãe de Peter, é a querida vida, é a sua Alma. Phil e seus lacaios são a matilha de cães, o poder do cão, o diabo. A família e casamento tradicionais entre Rose e George resultam prevalentes e vitoriosos. A vitória de Peter é também a vitória do mais fraco. É a eterna luta entre David e Golias. Como também declarou Jane Campion, a inteligência e a determinação vencem sempre a crueldade e a força bruta. Hollywood! Por coincidência, o Salmo 22 foi escolhido nas Cerimónias Fúnebres de Maria Elisa Cerqueira Ferreira Sopas.
Autor: Gonçalo S. de Mello Bandeira
Livrai da espada a nossa alma e dos cães a nossa vida!
DM
22 julho 2022