Aquilo que somos, os valores em que acreditamos, resultam em grande parte da educação que recebemos e de toda a interação social dos grupos a que pertencemos, família, amigos, vizinhos, professores e colegas de escola e por aí fora. A infância é particularmente importante para modelar os seres humanos em que nos tornamos.
Recordo aqui duas lições de vida dos meus tempos de infância e em que foram participantes o Américo e a sua irmã Ana.
O Américo era, por alturas dos meus dez, onze anos, um dos meus melhores amigos e estudávamos todos na mesma turma do Colégio D. João de Castro, sito em Nova Lisboa (hoje rebatizada Huambo) em Angola. O pai do Américo era dono de uma fábrica de mosaicos (Atlas) que existia naquela cidade e o Américo era, pese embora a tenra idade, um rapaz com muitas vivências, ajudando o pai na fábrica e noutras propriedades que tinham, nas suas horas livres e ao fim de semana. Pasme-se, mas o pai já o tinha inclusive ensinado a conduzir. Eram assim as coisas naqueles tempos em Angola (estamos a falar do início dos anos 70 do século passado). Num belo dia, estávamos no recreio do colégio a falar de carros. Quando o Américo revelou que por vezes conduzia eu, para me armar, disse que também sabia conduzir. O Américo deve ter percebido logo que eu estava a mentir e perguntou-me então como se metiam as mudanças. Atrapalhado, fiz uns gestos com a mão e engasguei-me todo. À época, havia ainda muitos carros com a alavanca das mudanças no volante. Também me perguntou, nesse caso como era (no fundo era igual, porque no volante ou junto ao banco, o sistema de mudanças é um H). Lá diz o ditado que “é mais fácil apanhar um mentiroso que um coxo”. Lição de vida aprendida: não mentir.
Como já disse, fazíamos todos parte da mesma turma. Eu tinha uma paixoneta pela irmã do Américo e então um dia tive a brilhante ideia de me declarar em fenício. O nosso livro de História tinha, a páginas tantas, um quadro em que apareciam as letras de diversos alfabetos da antiguidade (tipo sumério, fenício e grego) e a sua correspondência com as letras do nosso alfabeto. Então, utilizando os correspondentes símbolos do alfabeto fenício, escrevi num papel qualquer coisa do género “gosto de ti” e entreguei-lho no intervalo de uma aula. No intervalo da aula seguinte, chegou-se à minha beiro e pregou-me um estalo. Deve ter sido pela ousadia. Não sei bem. Nova lição de vida: Nunca te declares em fenício.
Autor: Fernando Viana