Quando há tempos li que Portugal, entre outros citados, era um país corrupto, não quis acreditar. Não quis acreditar porque a nível de serviços onde servi, e de serviços onde fui servido, nunca vi ninguém pedir para ser primeiro, ou sequer um sorriso como suborno para ser preferido fosse no que fosse. Vi toda a gente de senha na mão esperando a sua vez de ser atendido. Era esta a imagem que tinha e retinha do serviço público. A minha ingenuidade fazia parceria com a retidão do funcionário público. Agora fiquei elucidado: a corrupção estava na nata e não no leite. Na nata onde se situava o poder dos banqueiros, onde residia o poder de escolher os parentes para o governo, no cimo da hierarquia onde se situavam as autorizações dos grandes negócios, nos lugares onde residia o poder de legislar, nos caminhos das transferências para offshors, etc. etc. Ali, onde, neste olimpo de poder, não chegava a honradez dos pequenos que acreditavam no sistema como acreditavam em si. Elucidado e estarrecido. Não sabia que os poderosos deste país roubavam as poupanças duma vida e continuavam impunes, que na magistratura nem todos eram limpos, no exército onde havia traidores à ética militar, não sabia que os governantes eram agências de emprego para familiares e afins… Neste caso específico nunca supus que havia tantos diretores de…, presidentes de…, vogais de… Secretários de…, assessores de… primos de…, mulheres de…, filhos de… numa profusão de lugares de nomeados que ultrapassavam as pragas do Egito. Sete, estas foram e, talvez estas sejam setenta vezes sete, como as vezes do perdão. Como tudo isto está mudado! Agora até se tornará preciso haver uma lei para substituir a ética da governação. Que vergonha! Uma lei nunca haverá para o desaforo. Nunca ninguém fecha a ladrões de casa. Uma lei que substituirá o decoro é açaimo que envergonha quem o usa e não sossega quem foge das mordeduras. Onde vai o tempo da honra sem lei escrita naquele gesto que um fio de barba valia um crédito que chegou para construir uma fortaleza? Que vergonha para a democracia por vermos que esta precisa fazer dos democratas santos à força! Há corrupção no lugar das leis, nesse lugar que é areópago popular onde existem deputados que pertencem a gabinetes de advogados e as leis que se aprovam na AR, aprovam também as leis desses mesmos gabinetes. Que vergonha, senhores! E nós, os humildes e puros do coração, sentimo-nos como um barco que garrou; navegamos num mar desconhecido, andamos aos baldões da sorte das marés, olhamos para todos os lados e não sabemos em quem devemos acreditar. Eles, os políticos, vêm até nós pedir-nos o nosso voto: berram, gesticulam, engrossam a voz, dizem mal dos outros, fazem vitupério nem elogios próprios e nós, os humildes e mansos do coração olhamos para aquela farsa e perguntamo-nos baixinho, só para a nossa consciência, quem é o menos mau? É verdade, já desistimos de procurar os bons, nem sequer exigimos o suficiente, já nos contentamos com um medíocre mais que não chega a dez, mas é o que temos. Falando de política não podemos atribuir um medíocre mais a toda a comédia encenada por António Costa e também vão no embrulho aqueles que recuaram tanto que nem se deram fé que ficaram à beira do abismo do descrédito. Outros não contam porque não fazem contas. Afinal vão todos levar um mau.
Autor: Paulo Fafe