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Leituras de verão: algumas reflexões!

O calor abrasador, que se vive por estes dias, marca um tempo tradicionalmente reservado a um merecido período de férias. Um tempo em que se busca retemperar as forças para se enfrentar o desafio de um novo ano de trabalho. Apesar das naturais atribulações que nos esperam, à mistura com tantas alegrias inesperadas, este tempo que se anuncia encaramo-lo sempre com renovada esperança. E se fisicamente a recuperação é rápida, mais demorado é o restabelecimento da força anímica! É aí que reside a nossa vontade, a força do nosso querer. Em situações normais, quantas vezes, esgotados fisicamente, nos superamos graças à nossa vontade inquebrantável! Pois, o Homem, naturalmente, não nasceu para a derrota. O Homem, por natureza, é um ser angustiado, um eterno insatisfeito, satisfeito de querer mais: um querer mais sem mais querer, a insondável atracção do Absoluto, de Deus! Uma das fontes primordiais para alimentar o espírito é a leitura, que nos abre os horizontes da cultura: «ser culto – escreveu António Freire, S. J. – é sinal de distinção, de nobreza intelectual: a cultura é a aristocracia do espírito!». Porém, nem todos os textos são merecedores da nossa atenção; as leituras devem ser criteriosamente orientadas, até pelo pouco tempo disponível de que dispomos. Por isso, uma das vias, será a de eleger os grandes clássicos, os grandes livros que marcam a história da Humanidade. E um desses clássicos, com toda a certeza, será um pequeno tratado do grande estadista da Roma Antiga, Cícero de seu nome. É um dos seus grandes discursos, pronunciado em tribunal, no ano 62 antes de Cristo, em defesa do título de cidadania romana do poeta Árquias, seu antigo professor. Como tantas vezes sublinho o insigne mestre universitário F. Rebelo Gonçalves, «pela primeira vez se ouviu num tribunal romano um louvor deste género e, pela primeira vez também, pôde um romano confessar em público o orgulho de ser escritor». É que o desprezo pelas letras, pela leitura, não é de hoje, mas vem de muito longe! Neste tratado, intitulado Em defesa do poeta Áquias, Cícero vai empreender a defesa do seu constituinte a partir da valorização das Letras: «Julgarás tu que poderíamos encontrar quotidianamente que dizer em tamanha variedade de questões, se não cultivássemos o espírito com os estudos literários, ou que o nosso espírito poderia suportar tamanha tensão, se o não deixássemos espairecer nesses mesmos estudos?», diz Cícero em tradução da Profa. Maria Isabel Rebelo Gonçalves. E Cícero remata com uma confissão inusitada: «eu não posso deixar de confessar que a eles me consagrei». E deles confessa os proveitos que tira: «é destes estudos que cresce esta minha capacidade oratória, a qual, por pequena que seja, nunca faltou aos amigos nos seus litígios». Foi através das leituras que ele aprendeu de «que nada se deve mais pertinazmente ambicionar na vida do que a glória e a honra e de que para as alcançar se deve ter em pouca conta a tortura física e quaisquer riscos de morte ou exílio». Confessa Cícero que foi em nome desse desígnio que ele suportou os violentos ataques que diariamente lhe infligiam homens tão corruptos! Melhor que estátuas, nomes de avenidas ou de pontes, os livros são o maior garante de eternidade; as grandes obras do passado, as sentenças de sábios ou os exemplos da Antiguidade ter-se-iam perdido para sempre: «todos ficariam na sombra, se lhes não valesse a luz das Letras». E são essas figuras de homens valorosos, gravadas pelos escritores gregos e latinos, que nos devem servir de inspiração na nossa acção diária ao serviço do Estado, em prol do bem comum: «Tendo-as sempre diante dos olhos ao administrar o Estado, modelava espírito e inteligência só de pensar nesses insignes varões».
Autor: António Maria Martins Melo
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4 agosto 2018