Não se trata aqui de discorrermos sobre a bibliofobia, ou acerca da bibliolatria, como se tratasse do Mal e do Bem, esses eternos opostos. Não é, pois, nada referente a livros. Trata-se, isso sim, da transferência que se faz, ou não faz, dos resultados autárquicos para as legislativas. Quer queiramos quer não os resultados autárquicos indiciam uma tendência forte para as legislativas e isto por vários motivos, mas principalmente pela participação dos líderes partidários. Alguns envolvem-se de tal maneira que nem sequer se chega a conhecer o programa dos autarcas locais. No fim da festa todos os foguetes foram deitados pelos líderes e os locais ali ficam a apanhar as canas. Ora isso determina, só por si, a marca desta eleição, transformando-a por esta participação de local em nacional. Não sei se não seria melhor o líder aparecer como figurante e o candidato local como figura principal desta eleição porque é a ele que os locais conhecem, querem ouvir e depois tirar contas. Não se pode ser escolhido por nomeação que é o que mais parece em tudo isto. Depois os líderes, quando ganham, chamam a si a glória da vitória, quando perdem são os candidatos os culpados. Isto é uma armadilha para os candidatos locais. Por muito que pareça que tenha que ser assim porque o hábito e a estratégia assim o recomendam, a verdade é que estas coisas têm de evoluir com as leituras que se fazem da sociedade que já vota. Esta nunca é igual à eleição anterior; os jovens de ontem são votantes de hoje e ao perscrutar as suas opções políticas ficamos a saber que elas não existem para estes jovens. Pensar em ideologia é para eles coisa de aposentados. Para a grande maioria dos jovens a política pertence à história. A liberdade que hoje têm usufruem-na como uma utilidade qualquer. Não sabem a não ser por contos antigos, o que foi a luta por esta liberdade que hoje têm com a mesma facilidade com que vão ao supermercado ou à discoteca. Logo ou a política se reinventa ou a democracia ficará reduzida a uma matéria de teste académico .Talvez por isto as surpresas das noites eleitorais tenham mais a ver com a mudança dos eleitores do que com os programas dos candidatos. E então se o apresentador já for um governante queimado pela governança a opção será sempre a de o deitar abaixo. É o prazer de mudar mesmo que interiormente saibam que nada mudará de substancial com a simples mudança de personalidade. Estou convencido que se no mesmo dia das eleições aparecesse um novo smartphone à venda , as filas para a sua aquisição seriam maiores do que as que se fazem para as mesas de voto. É assim esta nova sociedade sem ideais políticos mas cheia de ideais para todas as tecnologias e aspirando viajar entre planetas. Eu oiço-os e não tapo os ouvidos ou fecho a mentalidade na gaveta da velha cómoda do meu tempo. São os tempos que mudam e com eles as mentalidades acompanham-nos. Mas os mais velhos, por sua vez, vão-se reciclando com os mais novos e começam a cansar-se de ir votar a nada. Os partidos já desistiram formar uma sociedade de acordo com a ideologia que defendem. Limitam-se a reivindicar salários, leis laborais, orçamentos, educação etc. etc. Mas para isso já temos os sindicatos. Afinal quantos sindicatos temos em Portugal? Os partidos deveriam pugnar pelo estabelecimento de uma sociedade socialista, marxista, liberal, capitalista? Alguém os vê nessa luta?
Autor: Paulo Fafe