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Lei eleitoral para a ar: uma reforma fundamental

Volvidos 20 anos sobre a última revisão da Constituição que tornou possível a redução do número de deputados à Assembleia da República (AR) e a introdução de círculos uninominais, nada foi feito para alterar a composição e o sistema eleitoral dos deputados. E a culpa desta inacção não pode ser assacada só aos partidos políticos, embora saibamos que lhes cabe a fatia de leão. Na verdade, também nós, cidadãos, pecamos nesta matéria, porque, enquanto membros da sociedade civil e cidadãos eleitores, temos obrigação de lutar pelas alterações que entendamos ser necessárias à melhoria do funcionamento orgânico das instituições políticas e da democracia e à garantia de uma maior representatividade e legitimidade dos parlamentares. Num tempo em que se reclamam profundas reformas estruturais no país e em que por todos é reconhecida como urgente e essencial a descentralização administrativa e a elaboração e implementação de um plano de desenvolvimento do interior, tenho consciência de que estas medidas provisórias de coesão territorial e social reclamam uma reforçada autoridade, legitimidade e responsabilidade dos deputados que vão ser escolhidos para definir e executar tais políticas. Daí que não possa estar mais de acordo com uma proposta de projecto de lei de reforma eleitoral da AR que a SEDES (Associação para o Desenvolvimento Económico e Social) e a APDQ (Associação Por uma Democracia de Qualidade) pretendem dar entrada no Parlamento, objectivo esse que, no entanto, depende da angariação de 20.000 assinaturas para subscrição da respectiva petição. A proposta que estas duas associações querem apresentar para debate público e apreciação parlamentar não são novas, pois, no essencial, recuperam projectos que já foram defendidos, entre outros, por representantes dos dois maiores partidos nacionais, tendo por base o sistema eleitoral misto alemão, em que a cada eleitor é conferido o direito de um duplo voto no seu boletim: um, para escolha de um candidato de um partido para o círculo uninominal; e outro, para uma lista partidária plurinominal, de um círculo territorial intermédio, que deixaria de ter base distrital (o distrito, aliás, enquanto circunscrição administrativa territorial, deixou de ter existência constitucional e legal), para abranger onze círculos territoriais, cada um com o mesmo número de deputados em lista. Significa isto que, através do boletim de voto, o eleitor tem à sua mercê a dupla possibilidade de escolher o seu deputado e a força política preferida, que podem até ser de partidos diferentes. E esta alteração não é de somenos importância, pois obrigaria a uma profunda transformação na formação das listas que, desde logo, teriam de ser elaboradas pelos partidos com uma criteriosa ponderação, por forma a serem escolhidos os melhores candidatos e não os mais afectos aos aparelhos partidários ou mais dóceis ou disponíveis para servirem de alter ego aos seus chefes. Mas os deputados a eleger por estas duas vias não representariam a totalidade dos eleitos: só 210 assim seriam escolhidos, já que haveria mais 4 a eleger pelo círculo da emigração, onde se manteria o sistema vigente, sendo os restantes a escolher através de um círculo nacional que teria a função de reforçar a garantia do princípio da representação global do sistema, corrigindo “as distorções de proporcionalidade” e eventuais “quebras de representação”, face aos resultados nacionais obtidos por cada partido. Para as duas mencionadas associações, a diminuição do número de deputados não representa uma prioridade ou uma mudança sensível, pelo que se limitam a propor a redução de um deputado (230 para 229) para evitar empates. Porém, quero crer que, numa discussão aberta como aquela que pretendem, tal questão poderá e deverá ser equacionada, como, de resto, outras, entre as quais destacaria a do voto electrónico. Julgo, pois, ser um dever cívico indeclinável apoiar a petição em apreço para que o projecto de lei que defendem possa dar entrada no parlamento e para que o tema entre definitivamente na agenda política das reformas inadiáveis.
Autor: António Brochado Pedras
DM

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26 janeiro 2018