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Lavar os pés

1. Está no Evangelho de S. João (13, 12-15). Na última ceia, a dada altura, Jesus tirou o manto, símbolo da qualidade de Senhor e Mestre. Pôs uma toalha à cintura e lavou os pés dos Apóstolos. Depois retomou o manto, pôs-se de novo à mesa e disse: «Compreendeis o que vos fiz? Vós chamais-me Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque o sou. Se eu, que sou Mestre e Senhor, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros. Dei-vos o exemplo, para que, assim como eu fiz, vós façais também».

2. Dei-vos o exemplo. A vocação do cristão é o serviço. Indiscriminadamente. Serviço que também se manifesta nos gestos mais simples e humildes, como esse de lavar os pés a quem disso necessita ou de mudar a fralda a um idoso ou a um doente.

Servir sempre e não apenas em momentos de entusiasmo.

O texto evangélico diz que, depois de ter lavado os pés aos Apóstolos, Jesus retomou o manto, mas não diz que tivesse retirado a toalha da cintura.

Com ou sem manto, é vocação do cristão servir em todas as circunstâncias. Não é próprio de um discípulo de Jesus deitar a toalha ao chão quando há pessoas a necessitarem da sua ajuda.

Servir desinteressadamente. Servir por amor, vendo Jesus nas pessoas que são servidas (Mateus 26, 31-40).

Servir e não fingir que serve. Servir sem espalhafato.

A pandemia do coronavírus exigiu se pusesse de lado o programa previsto para as solenidades da Quaresma e da Semana Santa. Não será um convite a revê-lo e a não reduzir esse tempo litúrgico a mais um produto turístico?

Servir não de qualquer modo, mas pondo humanidade nos serviços que se prestam. Há uma forma cristã e uma forma pagã de fazer as coisas. Às vezes o que impera é a frieza do paganismo.

3. Há pessoas «pagas» para servirem que, em lugar de servirem, se servem.

Que não são capazes de se despirem do comodismo. Que colocam os interesses pessoais à frente do bem de quem lhes «paga» para servirem. Que abusam da necessidade alheia.

Também há pessoas que, uma vez servidas, nem sequer esboçam um sorriso ou balbuciam um muito obrigado.

4. Dei-vos o exemplo, disse Jesus. Exemplo nem sempre fácil de imitar. Mas que deve ser seguido por todos.

Dizia-me há dias um membro de uma comunidade: lá em casa havia uma pessoa bastante apagada que parecia nada fazer a bem dos outros. Depois de ter falecido passou a faltar papel higiénico nas casas de banho!

Só servindo se contribui para um mundo verdadeiramente humano e fraterno.

5. Lavar os pés é muito diferente de lamber as botas. Há quem não sirva os que mais precisam mas revele um extremo cuidado em lamber as botas de homens do poder.

É a sabujice. O servir-se da vaidade do outro, lisonjeando-o e cortejando-o, para que dele receba benefícios ou assim pague favores.

Não é raro. São os discursos laudatórios sobre aquele de quem se depende. São palavras mentirosas como o ósculo de Judas. São gestos do mais nojento servilismo. Rastejando diante de quem devia saber estar de pé como fez Jesus na presença de Herodes (Lucas 23, 8-9).

Podem parecer pouco caritativos estes parágrafos mas sinto-me no dever de os escrever.

6. Sou padre há sessenta anos. Nunca vivi uma Quinta-feira Santa assim.

É um convite a rever como vivi as anteriores. Se me deixei levar por exterioridades e esqueci o fundamental deste dia: a instituição da sagrada Eucaristia e do sacramento da Ordem; o mandamento novo do amor como sinal distintivo do cristão.

E deixo um muito obrigado a quantos vêm servindo, com muita dedicação, a favor da saúde de todos nós ou contribuindo para que não falte o pão de cada dia.


Autor: Silva Araújo
DM

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9 abril 2020