1. Não alinho no discurso oficial, baseado em critérios economicistas. Na tal economia que mata, para usar uma expressão do Papa Francisco. Defendo a existência de quartos individuais nos lares de terceira idade. Também para cidadãos de escassa capacidade económica, pois não é o volume da conta bancária que dá maior ou menor dignidade à pessoa.
2. Todo o ser humano, seja ele quem for, tem a sua dignidade e esta inclui o direito à sua privacidade. Por maiores que sejam as debilidades da pessoa nunca deixa de ser pessoa e de ter o direito de ser tratada como tal.
Armazenar as pessoas no mínimo espaço possível soa-me a isso mesmo: fazer daquele espaço um armazém, uma arrecadação, onde se amontoam coisas inúteis ou fora de uso. Soa-me a arrumar e não a acolher. E nos últimos anos de vida do que as pessoas necessitam é de ser acolhidas.
O ser humano, por muito grandes que sejam as debilidades de que padece, nunca deixa de ser pessoa e de passar à condição de coisa.
3. Levar um idoso, contra sua vontade, a partilhar o quarto com outro ou outros, é desrespeitar-lhe o direito a uma qualidade de vida, inclusive nos últimos tempos da sua existência terrena. E quando já não é capaz de exprimir a sua vontade, nem por isso deixa de ser sujeito de direitos. Não passou a ser coisa.
Levar o idoso, contra a sua vontade, a partilhar o quarto com outro ou com outros é forçá-lo a desprender-se de tudo, inclusive de objetos que fizeram parte da sua existência e da sua felicidade. É reduzir os seus pertences à roupa de vestir. É privá-lo do direito a receber a visita de familiares e amigos fora do olhar e dos ouvidos de pessoas que nada têm a ver com essa visita.
A gestão dos espaços e a escassez de recursos podem levar a isso. Mas pergunto: onde está o respeito por princípios que se apregoam? Onde está a defesa do primado da pessoa humana? Não é verdade que as coisas são para as pessoas e não as pessoas para as coisas? Não é verdade que o dinheiro é para servir as pessoas?
4. Insisto no que escrevi repetidas vezes: os lares para idosos são um mal necessário. O ideal é que permaneçam na família, no convívio com filhos e netos. O ideal é que não sejam levados para fora do ambiente em que sempre viveram.
Quando isto não é possível, surge a solução dos lares. Mas que sejam verdadeiros lares e não arrecadações. Servidos por pessoal capaz e em número suficiente. Colocar um idoso num lar não é arrumá-lo. Que se lhe atenue o sacrifício do desprendimento.
5. Os que se manifestam contra a eutanásia, – e sou um deles – assumem o encargo de fazer o possível para que os idosos tenham cada vez melhor qualidade de vida.
É a sua falta que leva as pessoas a desejarem a morte. É o desespero que as leva a clamarem: tirem-me daqui!
6. Faz falta investir nos cuidados continuados. Faz falta investir nos cuidados paliativos. Faz falta investir em lares de idosos também para pessoas de escassa capacidade económica. Mas verdadeiros lares, insisto. Onde, sem luxo mas com muita dignidade, as pessoas disponham do aconselhável conforto e possam receber as visitas de familiares e de amigos.
7. É tudo uma questão de dinheiro. Como o conseguir?
E se se fizer uma gestão mais criteriosa dos dinheiros públicos? E se houver a coragem de rever a lista de prioridades?
Se se gastar numa gravata vistosa o dinheiro de que se necessitava para comprar a camisa… se se der prioridade ao que dá mais nas vistas ou arrecada mais votos… se se der prioridade a gastos com luxo e ostentação…
Autor: Silva Araújo
Lares e arrecadações
DM
26 março 2020