Prossigo com transcrições do discurso do Papa Francisco, em 09 de janeiro.
1. Paz na justiça. São João XXIII recorda que «as Nações Unidas propuseram-se como fim primordial manter e consolidar a paz entre os povos, desenvolvendo entre eles relações amistosas, fundadas nos princípios de igualdade, de respeito mútuo, de cooperação multiforme em todos os setores da atividade humana».
O conflito atual na Ucrânia tornou mais evidente a crise que, há muito, afeta o sistema multilateral, carecido duma profunda reconsideração para poder responder de forma adequada aos desafios do nosso tempo.
Isto exige uma reforma dos órgãos que possibilitam o seu funcionamento, a fim de serem verdadeiramente representativos das necessidades e sensibilidades de todos os povos, evitando mecanismos que deem maior peso a uns em detrimento de outros.
Nos últimos tempos, os vários fóruns internacionais têm-se caraterizado por crescentes polarizações e tentativas de impor um pensamento único, que impede o diálogo e marginaliza aqueles que pensam de modo diferente.
Têm sido empregues recursos cada vez maiores para impor, especialmente aos países mais pobres, formas de colonização ideológica, chegando-se aliás a criar um nexo direto entre a atribuição de ajuda económica e a aceitação de tais ideologias.
É necessário voltar ao diálogo, à escuta recíproca e à negociação, promovendo responsabilidades compartilhadas e a cooperação na busca do bem comum, em nome daquela solidariedade que «deriva do facto de nos sabermos responsáveis pela fragilidade dos outros na procura dum destino comum».
Os impedimentos e os vetos recíprocos servem apenas para alimentar mais divisões.
2. Paz na solidariedade. As sendas da paz são sendas de solidariedade, porque ninguém pode salvar-se sozinho.
Quero destacar, aqui, três âmbitos onde emerge, com uma força particular, a interligação que une atualmente a humanidade e para os quais é particularmente urgente maior solidariedade.
O primeiro é o das migrações. Muitas vezes trata-se de pessoas que fogem de guerras e perseguições, enfrentando perigos imensos.
Mas «deve-se deixar a cada um o pleno direito de se estabelecer ou mudar domicílio dentro da comunidade política de que é cidadão, e mesmo (…) deve ser-lhe permitido transferir-se a outras comunidades políticas e nelas domiciliar-se» e ter a possibilidade de regressar à própria terra de origem.
O segundo diz respeito à economia e ao trabalho.
As crises dos últimos anos colocaram em evidência os limites dum sistema económico tendente mais a criar lucros para uns poucos do que ser oportunidade para o bem-estar de muitos; uma economia mais centrada no dinheiro do que na produção de bens úteis.
É preciso voltar a dar dignidade à empresa e ao trabalho, combatendo toda a forma de exploração que acaba por tratar os trabalhadores como uma mercadoria.
O terceiro é o cuidado da nossa casa comum. Diante de nós vemos aparecer constantemente os efeitos das alterações climáticas e as graves consequências que os mesmos têm na vida de populações inteiras.
3. Paz na liberdade. Construir a paz exige que não «sejam lesadas a liberdade, a integridade e segurança das outras nações, sejam quais forem a sua extensão territorial e capacidade de defesa».
Isto é possível se em cada comunidade não prevalecer a cultura da opressão e da agressão, que leva a olhar o próximo como um inimigo a combater e não como um irmão a acolher e abraçar.
Preocupa o enfraquecimento, em muitas partes do mundo, da democracia e da possibilidade de liberdade que ela consente, mesmo com todos os limites dum sistema humano.
A pagá-lo, são muitas vezes as mulheres ou as minorias étnicas, bem como os equilíbrios de sociedades inteiras onde o mal-estar desemboca em tensões sociais e até em confrontos armados.
Em muitas áreas, um sinal de debilitação da democracia é registado pelas crescentes polarizações políticas e sociais, que não ajudam a resolver os problemas urgentes dos cidadãos.
Autor: Silva Araújo
Justiça, solidariedade, liberdade
DM
9 fevereiro 2023