Anteontem, em Celorico de Basto, no 381º aniversário da Restauração da Independência de Portugal, as Reais Associações de Braga e de Viana do Castelo, em colaboração com o município local, homenagearam um dos heróis do 1º de Dezembro de 1640 – o conjurado João Pinto Ribeiro (JPR) –, descerrando uma placa evocativa fixada na pedra que serve de base ao seu busto, lá colocado em 1940, no jardim da praça fronteira ao antigo edifício da câmara municipal.
Louvo a iniciativa porque, embora centrada na figura maior de um grupo de quarenta fidalgos que chefiou o golpe de estado então ocorrido, se insere na comemoração de um acontecimento nacional de primeira grandeza – a Restauração da Independência de Portugal e da liberdade dos portugueses – esquecido por muitos e nem sempre celebrado com as honras e circunstância que justamente merece.
Na verdade, não fora tal revolta e a longa guerra (de 28 anos) que se lhe seguiu, o reino português teria corrido o risco de ser incorporado na coroa de Castela, à semelhança do que sucedeu com os reinos de Aragão e Navarra e com a Catalunha, e não passar hoje de uma mera região espanhola. Por aqui se vê a inestimável importância e significado nacional da efeméride em apreço cujo êxito, é preciso sublinhá-lo, se deve ao apoio e esforço da esmagadora maioria dos portugueses e à adesão e fidelidade de todas as praças, castelos e vilas de Portugal.
É bom, pois, reflectir sobre este episódio marcante da história pátria para aquilatar do valor da coesão e da solidariedade nacionais e da força imparável da vontade profunda de um povo unido no desígnio comum de restabelecer a sua independência e liberdade.
Mas é tempo de voltar ao herói que em Celorico de Basto foi uma vez mais homenageado e de, em traços breves, evocar a sua notável personalidade e a importância que desempenhou no processo da Restauração. E para isso nada melhor do que respigar algumas passagens da interessante intervenção do Dr. José Aníbal Castro Marinho Soares, Presidente da Real Associação de Viana do Castelo, naquela cerimónia pública, a quem agradeço a amabilidade de me ter facultado o texto do seu discurso.
Trata-se, em primeiro lugar, de um homem que, embora nascido em Lisboa (1590), tem no norte as suas raízes: pai natural do actual concelho de Amarante e mãe nascida na Lixa. Do seu casamento com D. Maria da Fonseca não houve descendência. Bacharel em direito canónico pela Universidade de Coimbra, foi Juiz de Fora em Pinhel e Ponte de Lima e terá sido nesta última vila que redigiu o seu primeiro título “Discursos sobre os fidalgos e soldados portugueses não militarem em conquistas alheias”, publicado em 1632. Neste livro, “critica o governo filipino, por encorajar, a troco de promessas e dinheiro, os fidalgos e soldados portugueses para guerras no estrangeiro, que nada tinham a ver com Portugal, designadamente entre Espanha e França, e que originavam o enfraquecimento das defesas portuguesas sobretudo na Índia, onde os holandeses, comercialmente, começavam a penetrar”.
Este escrito não só custou ao autor a demissão das funções judiciais em que estava investido por despacho régio de Filipe IV, como levou este monarca a ordenar que “o Desembargo do Paço impeça, daqui por diante, a publicação de textos de natureza análoga, sem a sua prévia aprovação”.
Na sequência dessa demissão, JPR passou a ser representante e administrador dos negócios da Casa de Bragança em Lisboa, tornando-se por isso “um importante mensageiro entre o Duque de Bragança e os conjurados”.
Por via dessas funções e pela sua iniciativa e empenho na Restauração da Independência de Portugal foi um importante pilar da conspiração dos quarenta conjurados.
Perante as hesitações do Duque D. João em relação à revolução, foi JPR quem o convenceu a aderir à conjura e quem recebeu desse seu ilustre representado plenos poderes para o avanço do processo revolucionário em curso.
Cavaleiro da Ordem de Cristo desde 1639, foi nomeado guarda-mor da Torre do Tombo em 1644, cargo que desempenhou até 10/08/1649, data em que morreu.
Foi um firme opositor à teoria da origem divina do poder real, pois entendia que “os reis recebem o poder do povo para governarem bem e correctamente”. E filiava este entendimento na tese do “duplo contrato e do direito da resistência e da soberania popular de que foi defensor”, segundo a qual “A Monarquia vale por virtude própria, independentemente da figura que a encarna” e que “só os portugueses reunidos em Cortes podem conceder legitimidade suprema ao poder real”.
Depois desta súmula, percebe-se agora melhor a clareza do pensamento jurídico-político do conjurado JPR e a influência que teve na justificação e legitimação da revolução do 1º de Dezembro. Se a isso se juntar a sua função de conselheiro do nóvel rei D. João IV e o seu referido papel de mediador entre o monarca e os demais conjurados, temos a prova provada da sua notável acção na Restauração.
E, assim, a justificação plena para uma merecidíssima homenagem a JPR na terra minhota que, não sendo a da sua naturalidade, foi berço e residência dum seu sobrinho – o capitão António Pinto de Sousa –, legítimo representante de tão ilustre estirpe familiar.
Autor: António Brochado Pedras