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João Penha merece

OLargo de João Penha, frente ao edifício que foi dos CTT e, agora, catedral é de consumo com a pomposa designação estrangeirada (a eterna mania dos estrangeirismos no uso da nossa Língua) de Liberdade Street Fashion, anda a precisar, como de pão para a boca, de uma urgente e profunda operação de cosmética; e o pseudo-jardim que o circunda pouco mais serve do que para depósito de lixeirada vária e WC canino. Além disso, atrás da peanha que sustenta o busto de João Penha e no chão gravado está em pedra o seu nome, meio escondido e envergonhado; quer dizer, tal como acontece nas camisolas dos jogadores de futebol que nas costas exibem o nome do seu proprietário, num gesto de magia ou clubite aguda, João Penha, como um Ronaldo ou Coentrão, virou craque da bola. Igualmente envergonhada e escondida no lado lateral norte da peanha apensa está uma inscrição que reza assim: Dr. João Penha ao homem ao advogado ao poeta homenagem da associação de antigos estudantes de Coimbra em Braga com a colaboração da Câmara Municipal de Braga Braga 5 de dezembro de 1999; e, para além de envergonhada e escondida, a dita cuja começa a ficar um tanto deteriorada o que dificulta a sua leitura e consequente interpretação da mensagem informativa. Pois bem, para um poeta parnasiano e advogado formado em Coimbra como João Penha, há 178 anos nascido nesta Bracara Augusta, barroca, bimilenar e dos Arcebispos, que se bateu contra o artificialismo ultrarromântico que na época assolava a poesia e em defesa desta como música capaz de produzir sons e como pintura capaz de descrever o real, esta aproximação aos homens da bola cujos pés rimas não fazem é uma tremenda broeirada. Por isso, e a quem de direito, se reclama que seja ali colocada e em local condigno e certo uma placa de identificação esclarecedora e o mais completa possível deste grande poeta que honra a cidade e desta merece o seu reconhecimento público; e isto, se mais não fora, ao menos para evitar incómodos equívocos como o de alguns cromos da bola que por aí andam pensarem que com pontapés e fintas se escrevem versos. Depois, como o busto do nosso ilustre poeta se espelha na vasta vidraria do edifício Liberdade Street Fashion, já há por ai quem vá filosofando: agora, sim, com tanta miúda gira que por ali deambula ao poeta não faltará fonte de inspiração e tema para glosar; e acrescento eu que só assim acontecerá se o Largo submetido for à tal operação de cosmética. Ora, esta operação de cosmética passa tão simplesmente pelo desenho de alguns canteiros e pela feitura de um jardim que possa ombrear com o da Avenida da Liberdade que lhe fica mesmo em frente ou, se possível, dele seja um prolongamento; porque, apesar dos prédios degradados da parte sul do Largo, pela sua localização em lugar nobre, muito movimentado e visitado por turistas, o Largo João Penha exige uma intervenção criteriosa e digníssima. Ademais, e porque vivemos num tempo em que a selfimania se tomou um vício nacional a que nem o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, escapa e, assim, alastra como derrame de crude em mar proceloso, as imagens que ali podem ser captadas não honram a cidade e, muito menos, o nosso ilustríssimo poeta; e, assim, se espera que o responsável autárquico pela gestão e conservação dos espaços públicos da cidade, num ato de justo reconhecimento e devida homenagem a João Penha, obre profusamente e mande avançar a brigada, apeada e motorizada, munida da respetiva artilharia, seja ligeira ou pesada, e ali desenhe e implante um jardim à maneira de Braga, se lave o busto e a peanha e se crie uma placa de identificação que todos percebam e claro defina o nosso vate; e pode ser que, alfim, num gesto de agradecimento, o poeta parnasiano puxe da pena e rime assim: Tanto tempo a gramar C’oa trampa da canzoada, Vamos lá, pois, acabar Com tamanha lixeirada.   Então, até de hoje a oito.
Autor: Dinis Salgado
DM

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8 novembro 2017