O Rotary Club de Braga e a Associação Jurídica de Braga decidiram em boa hora organizar uma homenagem, a que se associou a Ordem dos Advogados, ao Dr. João Lobo, que foi distinto advogado, político e escritor e que se realizou no passado dia 3 de junho, com romagem à campa no cemitério de Mós, missa e jantar.
Conheci o Dr. João Lobo no final da década de oitenta do século passado, apresentado pelo Ilustre advogado Dr. Artur da Cunha Coelho, de quem era muito amigo, nutrindo admiração recíproca. A ele tributou o Dr. João Lobo um dos seus últimos livros, o “Togas, Becas e outras histórias singulares”, apresentado em 2021 no Colégio D Diogo de Sousa. Dele e de si próprio testemunhou: “Durante anos a fio, como se pertencêssemos a escola peripatética, nas ruas, nas praças, nos cafés, nos jardins, em conversas demoradas, ouvi-o discreteando sobre o riquíssimo sumo da vida que brotava da juventude, da Coimbra das República; da fundação do Partido Socialista; da República; da abismosa condição do ser humano; da arte da advocacia; adivinhando ventos, vasta e longamente; discorrendo sobre as coisas, as almas, o enigmático húmus donde emergem; sobre o Tudo”. Seriam dois Ulisses intelectuais e reais, viajantes no tempo e no espaço, ainda cheguei a tempo de quinhoar das últimas das suas odisseias.
Eu que tanto granjeei da mesma úbere seara, impressiono-me o quão se replicou no Dr. João Lobo tudo quanto no livro dedicou. Também ele se presentou com uma conduta na sua nobre profissão na qual absorveu que “se não houver conhecimento ancho, tenacidade no aprender, fortes convicções, resiliência inabaláveis, auto-vinculações, as belas torres de ideias erguidas pelas boas almas desmoronam-se ou transmutam-se em instrumentos serventuários do interesse sórdido…”.
Comprazia-se “nas técnicas e na arte de aprender a falar em público, em tudo o que se mostrasse indispensável para que, pela voz do advogado, os interesses do cliente fossem ouvidos e considerados pelo Tribunal”. Como Cícero acreditava que há formas de tornar a sociedade mais justa. Mesmo quando a lei parece ser um obstáculo, é necessário interpretá-la de modo a que o valor supremo da justiça se imponha.
Tal como Árquias, cultor das Letras, contribuiu para a formação dos cidadãos, mas imortalizando os pequenos feitos, de gente comum, celebrados na sua escrita, seguindo a estratégia do enaltecimento dos valores éticos e morais, dando voz a um excerto magnificamente trabalhado de George Elliot, tirado do romance “Middlemarch. Um estudo da vida provinciana” que dá o título (“Uma vida oculta”) e significado ao filme de Terrence Malick sobre Franz Jägerstätter, que vai no sentido da grande influência que pequenos gestos, que nem lugar possuem no rodapé dos livros de História, podem ter na vida de todos nós. A grandeza dos pequenos gestos.
João Lobo era afeiçoado à meritocracia, o que se revelava em gestos simples como a recusa educada ao meu pedido para assinar com singela dedicatória o “Tocas e Becas…”, com o humilde argumento que o faria com todo o gosto, mas apenas se depois de eu o ler o achasse merecedor do nuncupatório.
Preocupava-se com o futuro da humanidade, com o percurso de contaminação em que a sociedade do desvalor se embrenhava até à decomposição fatal, leitura que faço do conto “A culpa”. Mas tinha fé nos homens de boa vontade e nunca lhe ouvi discursos escatológicos.
Como parlamentar nunca mancharia os seus princípios nem ofenderia os seus conhecimentos. Assinaria a asserção de Cícero que “a ignorância é a maior enfermidade do género humano”. Desengane-se quem pensou - e não haveria ninguém de boa-fé que o sentisse - que podia representar um Calisto de Barbuda moderno. Ao contrário da personagem de Camilo, regressou à sua terra íntegro e impoluto.
Era humanista no pensamento, mas também Homem de ação, desinteressado de ser como o Venator do “Eumeswil” de Ernst Jünger, que achava que o melhor posto é aquele onde se vê muito, mas onde se é pouco visto. Não basta conquistar a sabedoria, é preciso usá-la, regressando a Cícero.
A “morte chega cedo / Pois breve é toda a vida”, diz Fernando Pessoa no “Cancioneiro”. João Lobo foi um exemplo de advogado, político, escritor, um Homem bom, que saudades da sua eloquência e irmandade. Invocando o Papa Paulo VI, conforta-nos a certeza que teve entrada no epinício triunfal de paz eterna e plenamente possuída que é oParaíso.
Autor: Carlos Vilas Boas