Já crescendo vai setembro com manhãs redondas e claras, crepúsculos ensanguentados e mrnos e um halo de nostalgia e enternecimento no olhar indefinido e vago das pessoas plasmadas, ao cair da tarde, nas esplanadas e bancos de jardim; talvez dando lugar e asas à sua condição icástica de seres gregários numa cidade cada vez mais incaraterística e vária; ou à urgência óbvia de parar os relógios, coibindo o tempo, esse eterno magano.
E isto porque, dia a dia, nos confrontamos com a cal dos dias inconsequentes a branquear-nos os cabelos e a charrua dos anos a abrir-nos na pele os sulcos fatais da nossa inexorabilidade biológica; obviamente na lógica existencial do poeta que cantava aos quatro ventos: desde o nascimento que começas a contagem decrescente da tua essência acidental.
Pois, esta é a prova provada – a evidência – de que nada nem ninguém distorce o tempo e, muito menos, almeja parar os relógios da vida que são a marca palpável da nossa transitoriedade e finitude; porque, apesar dos avanços da ciência em busca da imortalidade, sempre o homem esbarra nos muros do insondável que é o mistério da mortalidade.
Então, crescendo vai já setembro no seu sortilégio equinocial de outono que define a igualdade temporal do dia e da noite; e, assim, abrindo espaço às noites mais longas contrariamente aos dias mais curtos, numa antevisão atempada da natureza fria e mórbida de inverno, até que o solstício de dezembro lhe inverta o rumo.
Regressa a vida às escolas – tímida e incerta – como às vitrinas das montras, aos espaços comerciais e, até, aos passeios de avenidas, praças, ruas e jardins que mantêm uma tonalidade vital soturna e magoada entre o cinzento e o gris e a que não é estranha a força da ameaça da pandemia que nos assaltou e mostra como a Natureza surpreende e ataca a Humanidade; todavia, os voos rasantes e alvoroçados da passarada e, mormente, das andorinhas sobre o casario vário ensaiando a sua longa partida, bem como o bailado das primeiras folhas despedindo-se das árvores e tombando mortas e exangues no chão das calçadas, alheias surgem a esta angústia e medo pandémico que nos limita e assombra implacavelmente.
Entrementes, o nosso futuro, sem meios ainda que eliminem o ser patogénico, traiçoeiro e invisível, desenha-se numa enorme incógnita para toda a Humanidade e, muito claramente para o nosso país; e, sobretudo, em termos económicos, sociais e humanos temem-se dias nigérrimos onde o desemprego, a doença, a miséria e a fome espreitam vorazes e mortíferos os mais desprotegidos e sós.
E, consequentemente, setembro crescendo vai já e com ele a mágoa, a desilusão e a desesperança de vivermos num país democrático mas onde a liberdade, a solidariedade, a confiança, o aperto de mão, o olharmo-nos nos olhos, o abraço, o beijo, a carícia, os gestos, os espaços, as sensações nos são proibidas pela imposição do confinamento, do distanciamento social, da etiqueta respiratória e do uso da máscara ou viseira; e, igualmente, o aconchego, as presenças, os movimentos cúmplices, as reuniões de familiares e amigos e o uso de afetos nos são negados como que um qualquer decreto determinado tenha o enclausuramento e a negação do uso da palavra, do sentimento e do amor que são, no fundo, o que de mais genuíno e puro existe na natureza humana.
E, depois, a acrescentar a tudo isto, oportunidade perdida de podermos ser um povo próspero e feliz, sem lágrimas, mas a quem tudo tem sido sonegado e negado por malabaristas, trampolineiros, flibusteiros, corruptos e demagogos arvorados em donos de uma democracia sem ética nem dignidade; e que tem funcionado no sentido da satisfação e proveito pessoal e de grupos de compadres e comadres – bando de oportunistas – a que os autointitulados donos disto tudo pertencem.
Agora, o que entristece e dói mesmo é vermos este explorado, humilhado, maltratado e ofendido povo, para além se toda esta miséria moral e cívica, manifestar ainda a grandeza e natureza de alma capaz de perdoar e conviver pacificamente com tais predadores e delapidadores dos seus bens públicos que o fizeram sonhar com amanhãs que cantam, prometendo-lhe riqueza sem trabalho, felicidade sem lágrimas, prazer sem dor, rosas sem espinhos; ou seja, o dom de um paraíso que não existe ou, apenas, medra em mentes menos esclarecidas, mais manipuláveis e completamente permeáveis e inócuas.
Entretanto, já crescendo vai setembro. Então, até de hoje a oito.
Autor: Dinis Salgado