= Até agora estamos um tanto atónitos, pois só temos visto e ouvido uma parte do "mútuo", isto é, aquela que fala e dá explicações sobre o que se terá passado, mais desculpando-se do que elencando as causas, pois quanto às consequências ainda não se vislumbra nada de essencial…
Não deixa de ser sintomático para a nossa conduta coletiva que se possam usar palavras mais ou menos aplicáveis a situações pessoais, que correm o risco de se virem a generalizar… mesmo que do particular se entre na fulanização das gravidades e dos agravos duns para com os outros!
= De facto, quem não deixará de usar esta expressão até para poder – intencional ou capciosamente – chamar mentiroso a outrem, só por que ele não conseguiu entender o que lhe foi dito? Quem não se servirá – mais ou menos distraidamente – desta expressão para corrigir a capacidade de entendimento do interlocutor, só porque lhe dá jeito ou até favorece? Quem não hesitará – seja qual for a intenção – em recorrer a esta expressão, se estiver em causa amedrontar os adversários, condicionando-os e tentando-os manipular?
= Num tempo e num país onde se gasta tanto tempo com coisas secundárias, fazendo crer que são importantes, esta expressão – "erro de perceção mútuo" – tem tanto potencial para não dizer nada como para arranjar condições para dizer (quase) tudo… podendo mesmo roçar a mentira e/ou alienando quem não pensa como quem usa a dita expressão.
= Talvez agora possamos aprender a tratar os assuntos da vida coletiva e pessoal com mais acerto e profundidade, cuidando em que as questões não se resolvem com superficialidades nem jogos-do-empurra, mas antes assumindo cada qual as responsabilidades que lhe competem numa crescente atitude de adultez que sabe enfrentar as consequências das suas decisões e que não se esconde sob a capa da interpretação daquilo que os outros possam pensar… Aquela expressão – erro de perceção mútuo – não poderá tornar-se uma espécie de alibi duns tantos irresponsáveis para prolongarem uma certa impunidade perante tudo e todos… Com efeito, já bastava termos de aturar a ascensão dalguns oportunistas para termos ainda de condescender com a vulgaridade que reina e campeia… em tantos dos lugares de poder!
= Sabendo que nem todos, infelizmente, assumem os seus erros e falhas – isso faz arrepender-se e pedir perdão a si mesmo, aos outros e, sobretudo, a Deus – precisamos de fomentar na nossa sociedade novos promotores (mas não senhores) da verdade, onde a palavra dada é mesmo honrada e em que os atos sejam paradigma da personalidade de quem os pratica. Efetivamente para que haja "erro de perceção mútuo" teremos de ser dignos de aceitar os erros, percebê-los e perante os outros aceitá-los…Tudo o resto poderá ser conversa barata e discurso sem nexo. Até quando iremos aturar tais desfaçatezes público-privadas?
= Servindo-nos da expressão – "erro de perceção mútuo" – poderemos, dalgum modo e com o mínimo de humildade, questionar alguns campos da nossa atividade humana, cultural, profissional, associativa, etc.
* Será que temos feito o esforço por reconhecermos mais os nossos erros do que acusarmos os (possíveis) desvarios dos outros?
* Temos feito o esforço por irmos criando um ambiente de assunção das falhas próprias em vez de andarmos a disfarçar as menos adequadas realizações alheias?
* Até quando viveremos na honestidade e lealdade em vez de fomentarmos a incoerência e a dissimulação?
Autor: A. Sílvio Couto