Têm surgido notícias como «Empresas do pai, da mãe, do irmão e da própria ministra da Cultura fizeram contratos com o Estado», Graça Fonseca; «Pai de Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas e da Habitação, e marido de Francisca Van Dunem, ministra da Justiça, também têm contratos com o setor público»(Expresso, 31/7); ou «O Ministério Público (MP) está a analisar a possibilidade de abrir um procedimento que possa conduzir à destituição do secretário de Estado da Proteção Civil. / Em causa estão os negócios do filho de José Artur Neves com o Estado no último ano, que ultrapassaram os dois milhões de euros, quando a lei das incompatibilidades dos titulares de cargos políticos e públicos não só não o permite, como até prevê a perda do mandato para estes casos e a anulação dos contratos firmados» (Jornal de Notícias, 1/8).
Entretanto, o «1º Ministro em exercício», afirma: «Augusto Santos Silva recusa que se faça “interpretação literal” da lei em vigor” e já antes o Sr. 1º Ministro António Costa tinha solicitado um parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (Diário de Notícias, 31/7):https://www.dn.pt/poder/interior/pai-de-ministro-tem-negocios-com-estado-costa-quer-tirar-duvidas-sobre-incompatibilidades-11167212.html.
Desde logo é preciso alertar que o «Conselho Consultivo» não passa disso mesmo, «Consultivo» cujas decisões não vinculam nenhum Tribunal Português ou Estrangeiro. Nem, em rigor, qualquer Procurador-Geral da República.Tudo isto se relaciona com a Lei 64/93, de 26/8 com alterações até Lei Orgânica 1/2011, de 30/11, entretanto alterada pela Lei 52/2019, de 31/7 (PS, PSD, BE e PCP, com voto contra de CDS e abstenção do PAN), a qual entra em vigor no 1º dia da XIV Legislatura da Assembleia da República.
Ora, para tirar dúvidas – dentro da divisão de poderes: legislativo, executivo e judicial –, qual é a técnica da interpretação legislativa que está consagrada no Ordenamento Jurídico Português? Temos o artº 9º do Código Civil Português que consagra a «Interpretação da lei» no nosso ordenamento. É uma norma jurídica que, sendo constitucional, está plasmada fora da Constituição: «1.A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada./ 2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso./3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados».
Assim, nas ideias de Lima/Varela, juristas, legisladores e governantes, temos que ter em consideração as dimensões teleológica, histórica e literal, não desprezando nunca o espírito da lei, mens legis. Deste modo, qualquer interpretação que não considere a literalidade da lei, não é concebível. Respeitando doutrinas objectivistas e subjectivistas, trata-se de localizar a vontade real do legislador que tem que estar clara e inequivocamente no texto legal, no relatório do diploma ou nos trabalhos preparatórios da lei. António Costa «manifestou ‘dúvidas’ que ‘alguém possa ser responsabilizado, ética ou legalmente, por atos de entidades sobre as quais não detém qualquer poder de controlo e que entre si contratam nos termos das regras de contratação pública, sem que neles tenha tido a menor intervenção» (DN, 31/7).
Ou seja, o insigne jurista António Costa considera que pode haver problemas éticos e legais se existiu a «menor intervenção». Cabe então agora aos jornalistas de investigação um papel qualquer que seja a cor política ou ideológica e respeitando a presunção de inocência: p.e. haverá tráfico de influência? Art. 335º do C.Penal.
Autor: Gonçalo S. de Mello Bandeira