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Indiferentes à lição do passado, que já nenhuma escola nos ensina!...

O confinamento a que nos obrigou a doença do Covid 19 teve a vantagem de nos recentrar enquanto comunidade humana. É no Lar e na Família que a sociedade nasce e se vai construindo. Nesta comunidade fundacional, aprende o ser humano a dar os seus primeiros passos que o conduzem paulatinamente à integração social, desde a comunidade humana mais alargada da sua aldeia, da cidade e do país que o acolheu até à consciencialização da aldeia global em que vivemos. Que neste presente sentimos, e da forma mais dramática. Trata-se de uma caminhada, de uma construção de um ser humano em constante devir, moldado à imagem da sua Família e do seu núcleo mais restrito, os seus Pais. Uma tarefa nada fácil, comumente designada por educação. Aliás, por estes dias, bem sentiram as famílias este drama, fazendo-nos recordar a voz de Miguel Torga, a propósito de Nero, um ternurento cão celebrado no seu livro de contos Bichos: «Começara o calvário da educação!». Também a educação do ser humana acontece em torno de um conjunto de lições, de exercícios, alguns deles muitas vezes repetidos, abrindo-lhes as portas da autonomia, com o seu espaço de liberdade e de responsabilidade. Consciente de onde vem e qual o caminho a seguir. Porém, o tempo que se vive é incerto e até aparece que se perdeu colectivamente o rumo. Miguel Torga, no Diário XVI, em reflexão de 3 de Maio de 1990, faz uma interessante reflexão a este propósito: «Indiferentes à lição do passado, que já nenhuma escola ensina, sem ânimo e sem estímulo para sonhar e merecer o futuro, granjeamos passivamente a courela do tempo, até esquecidos de que estamos no presente e somos seus contemporâneos e protagonistas». E se tudo quanto é humano e do mundo me interessa, parafraseando Miguel Torga, a propósito do Minho, no seu livro Portugal, nem de tudo gosto. Às tentativas, esperamos que vãs, de reescrever a história a partir do presente, preferimos a luz da história, capaz de infundir esperança ao nosso presente. Torna-se imperioso o regresso às fontes inspiradoras da Cultura Ocidental. E aí encontramos os Poemas Homéricos, a Ilíada e a Odisseia, e a Bíblia Sagrada. São monumentos que se nos impõem! Como se sabe, os Poemas Homéricos têm a precedê-los uma viva tradição épica, com raízes nas mitologias do Oriente Antigo: estamos a recordar, por exemplo, a célebre epopeia de Gilgamesh, uma criação poética mesopotâmica. A esta riquíssima tradição cultural sumero-acádica também não é alheia a redacção do primeiro livro da Bíblia, o Génesis. Um dos temas que aproxima este poema épico da Mesoptâmia das Sagradas Escrituras é a referência ao tema do dilúvio, embora testemunhem universos teológicos distintos, em que ao monoteísmo bíblico se opõe o politeísmo babilónico. Sem negarmos a importância da Antiguidade Clássica, que muito deve ao Oriente Antigo, a matriz cultural mais marcante da Europa está no substrato judeo-cristão, como muito bem o define o saudoso filósofo da escola coimbrã, Miguel Baptista Pereira: «o que marca o pulsar profundo da Europa não é o ritmo das estações do ano, a cadência dos meses ou as fases da lua. É o Natal e a Páscoa, com o Entrudo (entrada da Quaresma) pelo meio e o S. João e o S. Pedro na recta final. É a semana com o ambicionado, relaxante e fundamentalmente sagrado fim-de-semana… Natal, Carnaval e Páscoa não marcam só a vida campesina. Definem o ritmo da escola, do trabalho e do lazer, dos negócios e das férias». Como sabemos, a Bíblia está presente na história da música, da pintura, da escultura, do vitral, da literatura. Nela encontrou Luís de Camões inspiração para as redondilhas Sôbolos rios e para o soneto Sete anos de pastor Jacob servia; o escritor alemão Thomas Mann, para a tetralogia José e os seus irmãos. Não é segredo que Bertold Brecht havia de confidenciar que a Bílbia era a sua leitura preferida. Entre nós, como anotou José Nunes Carreira, Agustina Bessa Luís havia de reconhecer que o Velho Testamento tinha sido a obra que mais a influenciara na sua infância.
Autor: António Maria Martins Melo
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6 junho 2020