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Imigração e multiculturalismo

Ignorando-o ou sabendo-o – ou sabendo-o graças ao gohst writer do discurso lido – Donald Trump, ao sublinhar que a imigração não é um direito, coincidiu com o pensamento de Jürgen Habermas, uma das grandes vozes contemporânea da filosofia política, quando este afirma, numa das suas recentes obras, que a imigração não é um «direito individualmente reclamável» que deva ser necessariamente atendido por um Estado de acolhimento.

O Estado receptor tem contudo a obrigação moral de praticar uma generosa «política imigratória liberal», dentro das suas capacidades no âmbito social e no âmbito económico-financeiro, designadamente no âmbito do mercado do trabalho, de modo a defender a vida e a dignidade humana dos imigrantes. Esta obrigação moral não é identificável com um privilégio concedido pelo Estado.

Ora o que tem acontecido nos últimos anos, na Europa comunitária, é que a imigração se tornou num fenómeno massivo de populações oriundas do Médio Oriente, do Norte de África e da África subsariana, que fogem dos seus países assolados pela guerra, pela fome e pela doença. Todas as semanas, para não dizer todos os dias, as águas do Mediterrâneo são a sepultura impiedosa de um terrível número de desgraçados imigrantes que buscam encontrar nos países da União Europeia a sobrevivência e o mínimo de dignidade de vida a que todos os seres humanos têm direito.

Perante a magnitude e o dramatismo deste fenómeno imigratório, os Estados da União Europeia têm a obrigação moral de acolher, dentro da razoabilidade dos meios disponíveis, os milhares e milhares de pessoas que nelas procuram desesperadamente a salvação. Esta obrigação moral torna-se tanto mais imperiosa quanto é certo que o chamado mundo ocidental tem uma importante quota-parte de responsabilidade, directa ou indirectamente, no estado calamitoso em que se encontram os países donde fogem as vagas de imigrantes. A solidariedade, neste caso, também é um modo de expiar culpas e erros do mundo ocidental.

O acolhimento das novas populações imigrantes coloca aos Estados receptores problemas múltiplos e complexos. Dada a amplitude do fenómeno, os Estados têm a obrigação moral, que deve ser progressiva e prudentemente traduzida em ordenamentos jurídicos, de proteger as culturas das comunidades imigratórias que neles se estabeleçam, de modo que estas comunidades não sejam expoliadas do seu património cultural, mas também de modo a evitar que a polietnicidade e a multiculturalidade se transformem em factores explosivos de conflito e de ódio em relação aos cidadãos dos países de acolhimento.

Os Estados receptores têm a obrigação moral de não permitir que as comunidades de imigrantes se convertam em ilhas de refugiados ou de fugitivos desenraizados que não se integram na cultura política comum plasmada na constituição de cada país. As comunidades de imigrantes, se têm o direito de preservar a sua cultura e a sua identidade, têm o dever inegociável de aceitarem a cultura pública comum e de se integrarem no ordenamento jurídico-político estabelecido constitucionalmente.

O autor não escreve segundo o chamado «acordo ortográfico»

 


Autor: Vítor Aguiar e Silva
DM

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2 abril 2017