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Ilações e lições de uma pandemia moral

O mundo está diferente, está suspensa a normalidade e a vida foi encostada na estante, substituímos a vida pela necessidade de sobreviver.

O momento que vivemos tem sido marcado pelo aumento do interesse dos cidadãos nas decisões dos seus representantes políticos. Poucas foram as vezes, em que um conselho de ministros foi acompanhado ao minuto por todos os portugueses. Este fenómeno de mediatismo social da governança política, levou as televisões a acompanharem os eventos políticos com o seu exército de comentadores, copiando o modelo da transmissão de um derby entre Porto e Benfica. Se a pandemia reposicionou a política no centro das preocupações dos portugueses, dominando o horário nobre das televisões e marcando presença constante nas redes sociais de cada um de nós, então quais as ilações e lições que estamos a tirar deste momento crítico?

A realidade é que formamos um cocktail social e político, que tem fortes probabilidades de culminar num fim da democracia em muitos países europeus. Numa fase em que os efeitos deste momento sensível evidenciam as desigualdades sociais e demonstram como o nosso elevador social ainda necessita de muitos arranjos e está preso na engrenagem, o porquê de grande parte da discussão política e social ter criado um ambiente de nós bons contra eles maus, uma dialética muito comum nos movimentos populistas?

A dialética surge com um conjunto de medidas desproporcionadas por parte do governo, mas essencialmente com uma lacuna de comunicação que pode ter um impacto desmesurado no crescimento de fenómenos políticos estranhos. Como podemos explicar a um pequeno comerciante que tem um café no centro da cidade a obrigação de encerramento às 13h00, quando no Pingo Doce vai estar às 15h30 o mesmo produto? Como criamos um regime baseado em exceções e esquecemo-nos das regras?

Os agentes do populismo olham para esta fase da nossa democracia liberal como o momento de descolagem, basta pegar nas dúvidas que existem (por opção e achismos continuamos a ignorar os dados científicos), na má comunicação política e na desproporcionalidade de medidas políticas que beneficiam aqueles que praticam o lobby, para construir a dialética de nós contra eles. Dos bons políticos, duros na ação e amigos do povo, contra aqueles que só querem a destruição do nosso país e que são corruptos até a respirar. O iliberalismo não é uma moda em Portugal, é um movimento implementando e em crescendo.

Quando deveríamos estar a discutir a justiça social, estamos a entrar outra vez num moralismo comunitário, que nada interessa para qualquer regime democrático e que traz consigo antecedentes históricos perigosos. As evidências trazidas pelos efeitos da pandemia não estão relacionadas com uma crise moral da sociedade, mas com o aumento das desigualdades sociais e a hipoteca de toda uma geração que continua sem poder sonhar com uma casa ou uma vida estável.

O Governo anunciou há pouco uma medida para 2021 da criação de estágios na função pública, é o mesmo que falar da do aumento da precariedade numa geração, que continua a só poder sonhar com estágios ou recibos verdes, temas como estes é que deveriam estar na ordem do dia.

Aquilo que precisamos é recuperar a génese do diálogo político que levou à criação de grande parte dos partidos políticos do nosso sistema, a necessidade da procura constante de justiça social, independentemente do lado esquerdo ou direito que cada um ocupa. Não foi a pandemia que levou à criação de desigualdades sociais inadmissíveis, apenas veio demonstrar que estamos no caminho errado e que uma geração continua sem poder sonhar. Temos de voltar a discutir sonhos e encontrar mecanismos para cada um desenvolver o seu projeto de vida, como quer e com quem quiser, ou então as ideologias de baixa densidade e que vivem na onda do momento, vão ganhar a democracia e a sua vitória será o fim da sua conquista.


Autor: Diogo Farinha
DM

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13 novembro 2020