Em certos momentos da nossa condição de Igreja peregrina sobre esta terra ouve-se esta tentativa de distinção: Igreja evangelizada ou Igreja sacramentada, como se uma e outra se excluíssem ou fossem diametralmente opostas. Por ‘Igreja sacramentada’ entende-se, descritivamente, algo que foi acontecendo em várias etapas da condução da Igreja, isto é, foi-se dando os sacramentos – sobretudo os da iniciação: batismo, confirmação e eucaristia – sem ter havido um processo de preparação mínimo. Ora, desta forma assim descomprometida pela negativa foi-se caindo na criação duma Igreja – paróquias, assembleias, grupos ou comunidades – menos bem preparada e consciente daquilo que se exigiria… suficientemente noutras ocasiões. Por isso, se faz o contraste com ‘Igreja evangelizada’, isto é, aquela outra Igreja – nas suas diferentes formas de presença – onde foram dados os passos necessários, capazes e sequentes de preparação dos diversos sacramentos, fazendo destes etapas de caminhada e não tanto fatores de festa, mas vivências da fé, que se pretende amadurecida, esclarecida e comprometida em Igreja, como Igreja e para a Igreja. À fase da ‘Igreja sacramentada’ houve quem a designasse como ‘cristandade’ numa espécie de sociedade cristã, senão nos conteúdos ao menos na forma. Por seu turno, na ‘Igreja evangelizada’ procura-se que haja (ou possa haver) sugestões de caminhada com elementos claros, sérios e sensatos para a progressão de cada pessoa na comunidade onde se insere, caminha e se compromete na vida e com vida. Digamos que, na ‘Igreja evangelizada’ se pretende gerar e não gerir cristãos que participam e não que assistem, tantos aos ritos como às fases de vivência. Por outro lado, na ‘Igreja sacramentada’ valoriza-se mais o ritual, a tradição (no sentido negativo e meramente humano) e a (possível) rotina, onde os diversos sinais da fé nem sempre têm a expressão pessoal mais adequada e sincera. No entanto, temos de ir convivendo com estas duas ‘Igrejas’, pois uma não exclui a outra, mas de uma – da meramente sacramentada – temos de ir passando à outra – a pretensamente evangelizada – criando condições para que a celebração dos sacramentos seja feita num espírito de comunhão e não dalguma ignorância sem nexo. Em que fase acho que está a minha paróquia? Que devo fazer, eu primeiramente, para mudar e me converter? Não depende só dos outros, tem começar por mim, já…
De facto, nesta época do ano litúrgico vemos como que uma etapa de ‘finalização’ de alguns percursos na catequese – termo abusivo aplicado a crianças em idade escolar – de infância e de adolescência: são as primeiras comunhões, nalguns lugares a dita profissão de fé e mesmo o crisma. Ora nenhum destes momentos religiosos poderá ser considerado um momento de finalização, quanto muito etapas de um percurso em evolução.
Se continuarmos a fazer destes episódios de vida religiosa das crianças/adolescentes e das famílias aquilo que muitas vezes é ou se reveste, estaremos a dar continuidade a uma igreja sacramentada não-evangelizada. Restringir esses momentos só para quando estiverem todos bem preparados, isto é, instruídos mas talvez não-evangelizados, poderá ser um comprar de conflitos com uma boa maioria de católicos-praticantes um tanto ignorantes… Talvez se devam aproveitar esses momentos familiares, sociais, cultuais e mesmo culturais para lançar desafios sobre a necessidade de que os pais possam acompanhar os filhos na sua evolução religiosa, propondo àqueles oportunidades de se valorizarem cultural e cristãmente. Há projetos que já conferem alguns resultados, como o ‘curso Alpha’, a catequese familiar, as ‘células paroquiais de evangelização’ e tantas outras sugestões que fazem os adultos reaprenderem a saber estar em Igreja e não a usufruirem das coisas da igreja como se disso fossem dignos e consciencializados frequentadores.
Se em certas regiões já se deram conta do desfazamento entre o que se faz e aquilo que se sabe, noutras dá a impressão que se caminha sem sobressalto para o descalabro total, não se apercebendo dos riscos que correm só porque as igrejas (espaços litúrgicos e de festas) ainda têm bastante gente, embora desmotivada, tradicional e quase rotineira…
É tempo de acordar e de fazer escolhas… para que daqui a cinquenta anos ainda haja fé nas nossas terras e ela seja celebrada por mais velhos e por mais novos. Semeemos já!
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É tempo de acordar e de fazer escolhas… para que daqui a cinquenta anos ainda haja fé nas nossas terras e ela seja celebrada por mais velhos e por mais novos.
Autor: António Sílvio Couto