twitter

Humanidade e agressividade

A espécie humana é tão carregada de instintos emocionais como as outras só que, pelo facto do ser humano possuir um córtice maior, não se encontra tão constrangido pelos ditames desses instintos podendo usufruir, à partida, de um leque mais amplo de escolhas. Mesmo assim, a razão por si só, quanto muito, pode inventar meios para realizar finalidades, mas ela não pode dar-nos as finalidades, nem as ordens. Abandonada a si mesma, a razão assemelha-se a um ordenador sem informação. Embora as suas operações possam ser logicamente certas, estamos, apenas, perante um maravilhoso sistema mecânico, sem motor para funcionar.

A força motriz que irá pôr em movimento a dita máquina provém portanto do comportamento instintivo, muito mais antigo do que a própria razão e que não é acessível à auto-observação racional. Pode pensar-se que emoções básicas são presumivelmente aquelas que desempenham uma função vital, e neste sentido pode ser uma emoção vital para o indivíduo aquelas que apresentam critérios psicológicos e biológicos que explicam a sua função.

Neste sentido, o afeto, como domínio de ações, está composto pela ação que constitui ao outro um legítimo outro em coexistência connosco. Por outro lado, a raiva, também corresponde a um domínio de ações, sendo esse domínio o de negar a outro em coexistência connosco (Maturana, 1991). Portanto, ao falar de agressividade falamos de como nos vemos ou vê-mos a outro no seu operar no domínio das ações que negam ao outro.

Uma das primeiras maneiras de avaliar o comportamento agressivo entre as pessoas parte da Psicologia que apresenta a questão como um efeito que expõe como ponto de partida uma situação que implique frustração. A questão central dos autores que denominam esta hipótese como sendo a teoria da frustração-agressão é de que a ocorrência do comportamento agressivo pressupõe sempre a existência de uma frustração (Bandura, 1973).

De acordo com esta hipótese, a socialização humana apresenta forças limitadoras das necessidades e dos objetos individuais, e portanto, a vida social contém, em alguma medida, a frustração que gera a agressão. O controlo social, por vezes, desloca essa agressão na direção de alvos socialmente admissíveis, como por exemplo os grupos socialmente estigmatizados.

São claros exemplos destes fenómenos o antissemitismo que se alastrou pela Alemanha do século XX e que culminou com o ascenso ao poder da ideologia nazi. Poderiam enquadrar-se aqui os preconceitos presentes em todas as sociedades relativos a condição particular das pessoas – sexual, de género, de procedência, de religião, de nível socioeconómico, etc.

Inicialmente Allport (1954) definiu o preconceito de uma forma muito simples, dizendo tratar-se do pensar mal dos outros sem fundamento suficientes. Uma análise mais aprofundada levou a uma definição mais precisa, definindo-se o preconceito como sendo uma atitude aversiva ou hostil contra uma pessoa que pertence a um grupo, simplesmente porque ela pertence a esse grupo, presumindo-se que ela tem as características censuráveis atribuídas a esse grupo.

Konrad Lorenz (1963) sugere que imaginemos um observador imparcial de outro planeta, que examina o nosso comportamento social com ajuda de um telescópio que pelo seu aumento não lhe é possível reconhecer os indivíduos, mas é de suficiente alcance como para permitir-lhe observar acontecimentos tais como as batalhas, as guerras, as migrações dos povos, etc.

Evidentemente, este observador, jamais poderia concluir que o comportamento humano pudesse ser pautado pela razão, e ainda menos por uma moral responsável. Se por acaso acreditássemos ser seres de pura razão, desprovidos de instintos, e sobretudo de qualquer potencialidade de agressão, seria simplesmente impossível encontrar uma explicação para a História.

É justamente a natureza humana não-racional que desencadeia escaladas de competição tão brutais que leva, por exemplo, a que duas nações se confrontem entre si cobrando-se milhares de vidas inocentes.

A maior parte de nós não repara de modo algum quão estupidamente delirante é o comportamento das massas humanas, e mesmo quando damos conta disso o problema fica em aberto: porque é que nos comportamos de forma tão irracional?

De facto devem existir fatores de tão extraordinário poder que sejam capazes de fazer-nos ultrapassar os mandatos da razão individual e nos tornem refratários à experiência e ao ensino.

Todos estes paradoxos parecem encontrar a sua explicação logo que se admite que o comportamento do homem e em especial o comportamento social, longe de ser unicamente determinado pela razão e pela cultura, tem ainda de submeter-se às leis predominantes do comportamento instintivo adaptado pela filogénese.

Não há dúvida, fazemos a guerra e damo-nos morte uns aos outros e por incrível que pareça recorremos a diferentes bases racionais para justificarmo-nos. Se o nosso observador extraterrestre fosse um etologista, invariavelmente concluiria que a organização social dos homens se parece em muito à dos ratos. Também eles, no interior da sua tribo são seres pacíficos, mas se transformam em verdadeiros demónios para com os congéneres que não pertencem à sua própria comunidade (Lorenz, 1963).

Referências Bibliográficas

Allport, G.W. (1954)The nature of prejudice. Addison – Wesley Publishing Company.

Bandura, A. (1973)Aggression: a social learning analysis. Virgínia: Prentice Hall.

Lorenz, K. (1963) A agressão – Uma história natural do mal. Relógio D´Agua Ed. – 2001. Lisboa.

Maturana, H. (1991)El sentido de lo humano. Ediciones Pedagógicas Chilenas S.A. Santiago.


Autor: Pável Modernell
DM

DM

16 março 2019