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Haja relengo

Na tarde em que se discutia e procedia à votação do orçamento do Estado que, como todos entendem, marca a vida de cada um de nós desde as contribuições até aos ordenados e pensões, as televisões na quase totalidade davam o “drama do Benfica” em notícias de última hora e os inevitáveis e intermináveis comentários dos filósofos da bola. Há mal nisto? O país fica mais pobre? Incomoda quem? Não, o país não fica nem mais pobre, nem mais rico, mas incomoda uns tantos que não querem estar sujeitos a tanta hegemonia futebolística.

Outros clubes, como o FC Porto ou SC de Portugal tinham ganhado as suas partidas com expressão numérica que, julgo eu, que sou um diletante nestas questões, mereceriam por parte das televisões algum destaque. Não ouvi ou vi nada a não ser umas indicações em rodapés nos canais que os têm.

Mas que “drama benfiquista” foi esse que tanto chamou a atenção das televisões? Tratava-se da substituição do seu treinador principal depois da enxurrada de golos que sofreu contra um concorrente estrangeiro. Drama por uma coisa destas? Não há que negar, havia raiva nos dizeres e lenços brancos a condizer com essa raiva.

Cada um de nós sente as suas frustrações de maneira diferente. Pelos vistos há muitos que se revêem nas grandezas dos resultados de futebol como que dependessem delas, a sua afirmação como pessoas! Estas idiossincrasias existem e não há que negá-las. Nem é este o propósito deste escrito.

Não são as paixões que o futebol desencadeia nuns e noutros desenterram desvios de comportamento, o que me espanta. O que me admira é a comunicação social, na sua expressão escrita, televisiva ou radiofónica, assumir este desporto com obsessiva prioridade. Na televisão, nos jornais não desportivos, na rádio, também alinham nesta exploração de sensações alienantes.

Analisei algumas capas de jornais, ditos de expressão nacional e de grande circulação, e verifiquei que a foto dominante era a do presidente do Benfica; a do primeiro-ministro de Portugal, vinha ao lado, como se diz em gíria jornalista, pendurada numa das orelhas da capa, como se a aprovação do orçamento de estado que regula o nosso dia-a-dia, fosse um campeonato de segunda ou terceira divisão.

Ora é preciso proporcionar as coisas para não perdermos a noção do essencial e do acessório. Mesmo concedendo ao futebol o primado entre os outros desportos, julgo que injustamente, mas é assim, mesmo nesta perspetiva, é preciso que a comunicação social, escrita, televisiva, ou radiofundida, tenha a noção das proporcionalidades noticiosas. Qualquer dia é mais importante o golo do craque do que a descoberta da cura contra o cancro.

O “drama benfiquista” foi de tal monta que até se deixou para segundo plano o que estava a acontecer nas tentativas de resgate das vítimas da derrocada da estrada que liga Borba a Vila Viçosa. Alguns jornais já tinham retirado das suas capas a tragédia que sangrava famílias locais porque havia a “tragédia do Benfica” para vender em primeira mão.

Resta-me a consolação de ainda termos jornais que se não vergaram totalmente ao comercialismo do futebol e procuram encontrar, em consonância com o seu editorial, o equilíbrio entre a notícia e a dimensão da notícia. Em tempos não tão remotos assim, só os pasquins estavam ao serviço do pagador. Haja relengo meus senhores, se não querem enterrar a carapuça que aqui deixo para alguns.


Autor: Paulo Fafe
DM

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10 dezembro 2018