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Há um ano, homens e árvores morreram de pé

Sirvo-me de Alejandro Casona (1903-1965), dramaturgo espanhol autor do célebre drama “As Árvores Morrem de Pé”, para criar a paráfrase do título deste artigo dedicado a honrar a memória dos portugueses que morreram em 15 de outubro do ano passado, a lamentar a perda de importantes recursos naturais e económicos, e a fazer o balanço possível de uma situação que ganhou dimensões de catástrofe nacional. Como todos se recordam, morreram então 49 pessoas na região Centro, 1.500 casas foram destruídas, e 220 mil hectares de floresta arderam, em consequência de 495 ignições ocorridas num só dia. Paralelamente, em 12 municípios 516 empresas viram-se total ou parcialmente impedidas de laborar, lançando no desemprego, por esse facto, milhares de trabalhadores. O impacto socioeconómico do desastre foi devastador, porquanto a destruição de infraestruturas e unidades empresariais ligadas à indústria da madeira, e não só, a empreendimentos turísticos e até à própria agricultura far-se-á sentir por muitos anos. A hecatombe causou também importantes estragos no Parque Natural da Serra da Estrela, queimou a Reserva Biogenética da Margaraça (Arganil) e destruiu 86% do mítico Pinhal de Leiria, mandado plantar por D. Dinis (1261-1325), de onde os nossos navegadores tiraram madeira para fazer as naus e caravelas que sulcaram os mares do Novo Mundo. Estamos a falar de uma mancha florestal de 9.500 hectares que antes era verde, e agora é negra! Teremos, agora, de esperar pelo menos 15 anos para que ela volte a ter de novo a cor que nunca deveria ter perdido, mas teremos de esperar 50 anos, ou mais, para nos tornarmos a reencontrar com os pinheiros de grande porte que até ao ano passado faziam a delícia de quem percorria as estradas do concelho da Marinha Grande. Logo após a tragédia, o Primeiro Ministro, num ato simbólico tendente a mobilizar a população para a necessidade de se dar início a uma grande campanha de reflorestação, plantou, com o aparato conhecido dos atos políticos, um sobreiro nas areias que haviam sido calcinadas pelo fogo. Pouco depois, também o ICNF, embora com menos espalhafato, plantou milhares de árvores da mesma espécie nesse pinhal, para reforçar um voluntarismo governamental que resultou em nada. Tanto o sobreiro do senhor Primeiro Ministro, como os sobreiros do ICNF secaram! Há 700 anos, D. Dinis, o rei Lavrador, mandou plantar pinheiros! Entretanto, o ICNF anda a fazer o corte das árvores que foram incineradas num grande crematório a céu aberto, e já se veem grandes extensões de duna sulcada pelos rodados dos camiões. Segundo o jornal Região de Leiria, a madeira ardida está a seguir para a China, a um ritmo de 40 contentores por semana, e o Estado já terá arrecadado cerca de 11,4 milhões de euros. Associações ambientalistas, comissões populares, investigadores e biólogos garantem que, desse dinheiro, ainda não foi aplicado 1 cêntimo na recuperação do pinhal, e temem que o dinheiro seja desviado para outros fins. Para obstar a esse perigo, já fizeram seguir para a Assembleia da República uma petição que pretende levar os deputados a adotar dispositivos legais que impeçam o desinvestimento num recurso vital para a região. Por outro lado, os mesmos ativistas manifestam preocupação pelo atraso que se verifica no processo da reflorestação, pois no terreno devassado pelas máquinas de corte já é visível a acácia, uma infestante que tem vindo a invadir e a desequilibrar o coberto vegetal português, com terríveis consequências para os ecossistemas autóctones. É voz corrente que o papel mais importante no processo do reflorestamento será entregue à regeneração natural, por ser impossível plantar vários milhões de pinheiros numa área tão grande e em tão pouco tempo. O Região de Leiria adianta, contudo, que até mesmo esse plano de regeneração está em causa porque, segundo denunciou, foi visto um camião TIR partir carregado de pinhas e suas sementes (penisco), supostamente para o estrangeiro, sem que as autoridades nacionais tenham neutralizado semelhante roubo. E, se calhar, outros. A ser verdade, estamos perante uma situação de contrabando de sementes de um pinhal centenário que tinha uma genética ímpar e um ordenamento invejável aos olhos de biólogos e botânicos de todo o mundo! O que se passa em Portugal no domínio dos incêndios é profundamente chocante e estranho. Dizem que metade dos incêndios na Europa ocorrem em Portugal! Isto não é natural. A nossa floresta, hoje, está refém de uma combinação espúria de crime, negligência, morte, delapidação de riqueza, delinquência. Mas a falência, pelos vistos, já não afeta só o produtor, ou o resineiro, mas também as serrações, que se veem a braços com a falta de matéria prima. E o eucalipto não pode valer a tudo, apesar de Portugal se estar a tornar num imenso eucaliptal. Os preços têm caído tanto que, parece, lucros chorudos na fileira da floresta foram chão que deu uvas. O povo, na sua sabedoria imemorial, tem uma máxima que convém trazer à colação desta reflexão: Quem tudo quer, tudo perde. Aprenderemos algum dia?
Autor: Fernando Pinheiro
DM

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18 outubro 2018