Combati na guerra do Ultramar, hoje designada guerra colonial, em Angola, de 1967 a 1969; e esta experiência ensinou-me que, para sairmos vitoriosos de qualquer guerra, mas, sobretudo, de uma guerra de guerrilha como a que enfrentávamos, tínhamos de ser pacientes, atentos, corajosos e resilientes; e estas qualidades que nos exigiam, adquiridas foram em treinos militares intensos e prolongados antes da partida.
Ademais, a razão primeira para qualquer ação vitoriosa na guerra que levávamos a cabo contra um inimigo desconhecido e oculto assentava sempre na surpresa e na vigilância ativa, presentes na nossa atuação diária no terreno; e, por isso, é que o soldado português, tendo de lutar nas mais condições humanas, de terreno e de meios, foi considerado, até pelos generais americanos, o melhor soldado do mundo.
Pois bem, estes ensinamentos, colhidos na preparação militar, deviam estar sempre presentes desde o início do desembarque no porto de Luanda, até ao embarque de regresso a casa, no final da comissão de serviço; porque, se assim não fosse, duros e dramáticos reveses nos esperavam.
E, a este propósito, vou contar-lhes o que aconteceu à Companhia que fomos render ao Lufico, lá para os confins do norte de Angola; e, após, alguns milhares de quilómetros percorridos por picadas, capinzais e matas, onde nos espreitava o perigo constante e o angustioso desconhecido.
Ora, devido à natural euforia com que festejavam o desejado e ansiado regresso a Luanda para o merecido embarque rumo à Metrópole e a casa e, após, dois longos anos de isolamento no mato, grande parte dos soldados abrandou a vigilância depondo as armas no chão das viaturas e descontraindo plenamente, cantando e rindo; mal eles imaginavam que seriam, ao entrar na mata de Mussorongo, surpreendidos com uma feroz e derradeira emboscada que deixou 20 vítimas na picada, transformando, assim, os dois anos dos bons serviços cumpridos, numa página negra da sua história de guerra.
Agora, a luta que, neste momento, o nosso país trava contra o Covid 19 tem imensas semelhanças com a que travamos nas três frentes de guerra (Angola, Moçambique e Guiné); por um lado, o inimigo é violento, desconhecido e traiçoeiro e, por outro lado, não possuímos as armas necessárias, ou seja, os conhecimentos, a tática tégica devidos para promover uma guerra vitoriosa; e, sobretudo, nos deparamos com a trágica realidade de que, num mundo global e de profundo conhecimento científico e tecnológico, o Homem não é, nem nunca será o dono da Natureza e, muito menos, alcançará a imortalidade por que insistentemente luta.
Podemos, também, pensar que os tempos que vivemos de liberdade, tolerância, globalismo e mundividência pouco atreitos são à natureza dos combates como este que enfrentamos; e, deste modo, nem sempre os meios necessários e imprescindíveis para os vencer bem compreendidos e aceites são pelas comunidades, como por exemplo, o cerco sanitário às populações, a quarentena para os infetados e suspeitos a proibição de sair de casa para toda a gente, exceto em casos excecionais ou o encerramento de todas as atividades não necessárias à vida das pessoas, por força das medidas de emergência nacional, decretadas pelos órgãos executivos e de soberania.
E se olharmos para o que vai acontecendo em Itália que tem sofrido imenso para enfrentar a epidemia, perdendo milhares de vidas e destruindo catastroficamente as estruturas económicas e sociais, muita desta calamidade pode ter raízes num certo facilitismo e descrédito inicial com que as autoridades olharam para a virulência e poder de destruição do Covid 19, não encarando a luta cerrada como prioritária; e pais económica e organizacionalmente forte, não estava, em termos de serviço nacional de saúde, devidamente apetrechado e prevenido, levando imenso tempo a tomar as medidas imprescindíveis a um combate forte e eficaz ao vírus.
Ora, relativamente ao nosso combate, temos de pensar e de nos convencer que, se noutros tempos já fomos os melhores soldados do mundo na guerra de guerrilha colonial, por exemplo, que bem se pode comparar a esta que ora travamos, não podemos baixar, escassas que sejam, as armas, cruzar os braços e, simplesmente, desistir de lutar; porque o mais importante e óbvio é que dos fracos não reza a História e a fraqueza de ânimo nunca foi a divisa do povo português.
Por isso, continuemos a cerrar fileiras, mantenhamos vigilância sempre ativa, não abrandemos a nossa resiliência e persistência em todos os momentos de desânimo e incongruência que nos possam atingir; e porque não há guerras sem sangue, suor e lágrimas, saibamos todos estar à altura dos soldados da frente de combate (serviços de saúde, de socorro, de segurança, de apoio logístico, etc.), cerrando fileiras e, assim, formando uma retaguarda forte, empenhada, firme e solidária na luta pela vitória comum que todos ansiamos.
Então, até de hoje a oito.
Autor: Dinis Salgado
Guerra de guerrilha e covid-19

DM
1 abril 2020