Se os juízes “têm direito” à sua associação sindical – duvidoso – e, sem qualquer dúvida, têm razão na maior parte das suas reivindicações (como outras profissões: militares, polícias, etc.), já ressalta desnecessária, desadequada, desproporcional e violadora da “intervenção mínima do próprio Estado ou em nome dele”, como um dos três poderes originais do Estado de Direito democrático, livre e verdadeiro, a realização duma qualquer greve.
Ainda para mais quando estão entre os lusos com os mais altos salários e ajudas de custo e apenas pretendem, no essencial, mais vantagens remuneratórias. A par duma lentidão dos processos que se tornou ditatorial porque se tem acentuado cada vez mais.
A greve dos juízes coloca em perigo e danifica inclusive o acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, os quais são um direito fundamental consagrado na CRP-Constituição da República Portuguesa, art. 20º. Mas mais, este direito fundamental é também o 1º dos direitos análogos aos direitos, liberdades e garantias. Pelo tem um regime específico.
Existe pois o direito a uma solução jurídica de actos e relações jurídicas controvertidas a que se deve alcançar num prazo razoável e com garantias de independência e imparcialidade. Art. 17º da CRP: “O regime dos direitos, liberdades e garantias aplica-se aos enunciados no título II e aos direitos fundamentais de natureza análoga”.
As suas especificidades, Lições:Aplicabilidade directa das normas que os reconheçam, consagrem e garantam (18º/1); vinculatividade de entidades públicas e privadas (18º/1);reserva da lei, para a sua restrição (18º/2 e 165º/1, al. b));princípio da autorização constitucional expressa, para a sua restrição (18º/2);princípio da proporcionalidade, como princípio informador das leis restritivas (18º/2);princípio da generalidade e da abstracção, das leis restritivas (18º/3);princípio da não retroactividade das leis restritivas (18º/3);princípio da salvaguarda do seu núcleo essencial (18º/3);
limitação da possibilidade de suspensão, nos casos de estado de sítio ou emergência (19º/1);garantia do direito de resistência (21º);garantia da responsabilidade do Estado e de maioria das pessoas colectivas públicas (22º); garantia perante o exercício da acção penal, e da adopção de medidas de polícia (272º/3);garantia contra leis de revisão constitucional, que restringem o seu conteúdo (288º/d)). Ora, a “greve dos juízes” – imagine-se a Assembleia da República ou o Governo ou o Presidente da República em greve! -, coloca em perigo e danifica todas as principais garantias deste análogo direito, liberdade e garantia, chamado de “acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva”.
O art. 18º CRP não deixa dúvidas. E o art. 20º CRP: “1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. 2. Todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade.
3. A lei define e assegura a adequada protecção do segredo de justiça. 4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo. 5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos”.
Esta greve injusta e contra a CRP coloca em causa este direito, liberdade e garantia, ficando aberta contra o Estado e seus actores a via judiciária não somente para defesa de direitos ou interesses pessoais, mas também interesses difusos ou colectivos, dos cidadãos e suas associações, através nomeadamente v.g. da acção popular (art. 52º/3 CRP), uma compreensão solidária da defesa dos direitos.
Autor: Gonçalo S. de Mello Bandeira