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Gestão autárquica

Alfim, após esta habitual interrupção de veraneio, de novo ao remo, à rabiça ou ao leme que é como quem diz ao trabalho – humana condição desde que Adão e Eva expulsos foram por Deus do Jardim das Delícias; e embora, nas circunstâncias, não seja por obrigação de ofício, essencialmente exercido é por gosto e, sobretudo, por dever de cidadania.

Então, porque estando o país às portas de eleições autárquicas, momento bom e oportuno é para refletirmos sobre a sua influência e importância na vida de todos nós; até porque escolher um presidente de Câmara Municipal ou de Junta de Freguesia é dar poder a quem mais perto de nós está e, obviamente, obrigação tem de conhecer os nossos problemas e necessidades melhor do que o representante do Poder Central.

Pois bem, em termos de gestão autárquica o mais importante não é fazer grandes obras, alargar espaços, conquistar florestas, definir paisagens; isto é, uma cidade grande não é rigorosamente uma grande cidade que sofre de elefantíase – aumento anormal de volume de uma parte do corpo em detrimento de todo o corpo, ou seja crescimento versus desenvolvimento.

Assim, mais importante que tudo isto é, indubitavelmente, o bem-estar físico e mental dos cidadãos, preservando uma cidade habitável, confortável e feita, tanto quanto possível, à medida, necessidade e gosto dos seus habitantes; é manter a necessária qualidade de vida contra a descaraterização e desertificação de pessoas, espaços e paisagens que abundam na maioria das cidades dos nossos dias e tentam penetrar já no tecido ainda um tanto virgem de vilas e aldeias, através de uma construção incaraterística e de uma desarborização constante e selvagem.

Ora, no que concerne ao bem-estar e qualidade de vida, os habitantes da nossa cidade de Braga, embora um tanto ainda privilegiados, já vão tendo muito pouco a ganhar em termos de futuro; é que, durante a gestão socialista de 37 anos, a cidade cresceu de uma forma tão descontrolada, apressada e ínvia que pouco tempo houve para definir conceitos, aprofundar critérios, tomar e executar decisões certeiras e ponderadas; e quem conheceu Braga antes desta gestão sabe que assim foi e, por força do cimento e do alcatrão, a sua fisionomia depressa passou de um provincianismo enraizado e bacoco a um cosmopolitismo alarvado e inconsequente.

Esta gestão, porque assente na ação e vontade de um só gestor, tomou-se autocrática, monolítica e fechada, e redundou essencialmente no espetacular desenvolvimento físico da cidade; mas, embora os homens na direção das instituições sejam elementos a ter em conta, mais importante do que eles são os múltiplos fatores exógenos condicionados por agentes geográficos, naturais, históricos, etnográficos e culturais de cada região; e para o caso em apreço houve convergência inquestionável de um conjunto de forças, condições e oportunidades que, apenas, foi necessário pôr em marcha e a que o 25 de Abril de 1974 emprestou novos horizontes, conceitos e potencialidades municipalistas do país.

É, por isso, que Braga cresceu, tinha que crescer independentemente da vontade dos homens e da dinâmica das instituições; e, mormente, porque acaçapada num longo vale, ponto de encontro de eixos rodoviários importantes, campo aberto às migrações, espartilhada, há longos anos, nas suas fronteiras naturais, Braga reunia condições ímpares ao despoletamento de uma macrocefalia demográfica única, capaz de, através de convergências e divergências de aglomerados populacionais, fazendo com que os gestores urbanos fossem mesmo impelidos pelos desígnios humanos e históricos a andar para a frente, como que transformados em heróis à força.

Nestas circunstâncias, a nova gestão da cidade, assumida em 2013, herda um tecido autárquico pleno de escoriações e arterioscleroses (espaços verdes, património, cultura, ocupação da juventude, geriatria, trânsito, segurança, direito ao silêncio, privacidade); e isto acontece, tende a acontecer e cada vez com foros de inevitabilidade, sempre que o crescimento é descontrolado, porque acelerado e indomável, tal qual como com a Natureza, quando o crescimento de animais, plantas e solos é temporão e incontinente.

Então, Ricardo Rio assenta a luta na sensibilidade e sustentabilidade económicas, ambientais, culturais e patrimoniais que resultam num evidente equilíbrio entre crescimento e desenvolvimento; e desta dinâmica e visão estratégica resulta evidente correção e melhoramento das assimetrias resultantes da mais-valia imposta pela gestão anterior a 2013, onde o crescimento se sobrepõe claramente ao desenvolvimento.

E esta não tem sido uma tarefa menor e de resultados rápidos, sobretudo porque mais fácil é comandar um transatlântico em mar de palha do que um bote em mar proceloso; o que nos faz perceber e concluir que a gestão urbana de Ricardo Rio, a meu ver, não tem recolhido a espetacularidade proficiente que sempre se deseja fazer passar e demonstrar perante o eleitor; e este é em qualquer gestão pública um efeito evidente de quem faz obra sem populismo e demagogia e necessário se torna publicitar, para que os cidadãos bem informados possam conhecer melhor, por dentro e por fora, os homens e as obras e aprendam a ver com olhos de ver que nem sempre estas falam condignamente por aqueles.

Então, até de hoje a oito.


Autor: Dinis Salgado
DM

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8 setembro 2021