Durante o seu funeral “com honras de Estado”, anunciaram os repórteres dos “milhares e milhares que acompanham o cortejo” e eu, que sou atento, atrevo-me a afirmar que em certas ruas por onde passou o cortejo fúnebre, passava um ou outro peão que, talvez por pressa ou desinteresse, olhava, mas não parava, embora os socialistas tenham apelado para que o país se mobilizasse no último adeus.
Deduz-se facilmente da razão do apelo “ao último adeus”: os socialistas e sobretudo o Governo ageringonçado, tinham necessidade de aproveitamento político pela morte do seu fundador, como já o tinham tentado na morte de Amália Rodrigues, Sousa Franco e de Eusébio do Benfica. É que em Portugal, testemunhar em certas situações a vitimização, resulta, e o próprio Mário Soares soube utilizá-la quando na Marinha Grande levou um soco, e disse durante a campanha: “fui agredido”.
Mário Soares, “pai da democracia em Portugal”, foi afirmado até em vários jornais estrangeiros: em inglês e em várias línguas latinas. Mas então quem abriu as portas à democracia pluralista? Não terão sido – embora em acções inexperientes – os capitães de Abril ou o chamado Movimento das Forças Armadas? Quando o país caminhava para a ditadura vermelha, em que quase tivemos a guerra civil em Portugal, não foi também Sá Carneiro, que ao lado de Mário Soares, fez frente ao comunismo? E Ramalho Eanes, não foi o militar que devidamente armado e acompanhado de centenas de militares, saltou para a frente do touro sovietizado – Processo Revolucionário Em Curso, derrubando-o - e disse-lhes que era democracia pluralista e não ditaduras que se desejava para Portugal, no célebre 25 de Novembro de 75? “Pai da democracia em Portugal”, Mário Soares? Não.
Mas sim lutador pelos valores democráticos; perseguido pela II República; asilado político devido aos seus ideais de democracia e dos direitos do homem: lutador contra todas as injustiças sociais e autor da entrada de Portugal na CEE. “Pai da democracia em Portugal”, não concordo: militante da democracia pluralista, sim.
Como é sobejamente conhecido, o político Mário Soares exerceu cargos de Estado durante vários anos. Por isso era escutado quando falava ou quando mandava berros contra asneiras, injustiças ou usurpações, fossem de quem fossem.
Mas partiu para “outro lado”. Não escrevo que partiu para a “eternidade”, porque não acreditava nela. E foi pena que tivesse partido sem ter deixado um recado ou um escrito de como via/sentia o seu Partido Socialista, ensanduichado entre trotskistas e comunistas, em Governo. Sabe-se, é da história de Mário Soares que, embora se tenha iniciado no partido comunista, dele saiu e dele nunca nada quis: nem para sorrir nem para chorar. Mais: Soaristas e Cunhalistas, politicamente nunca se entenderam.
Pudera! Soares conhecia a máquina sovietizada de Cunhal. Soares sabia que na Rússia os comunistas conquistaram o poder por meio de uma odiosa insurreição. Derrubaram a Assembleia Constituinte. Introduziram a Cheka e os fuzilamentos sem julgamento. Esmagaram greves de trabalhadores, saquearam aldeias e aniquilaram os camponeses da maneira mais sangrenta, sem pejo. Destruíram a Igreja, reduziram províncias do país a uma condição de fome – a famosa fome do Volga. Tomaram o poder sem preservar as forças produtivas do país; não se importaram da não produção da agricultura e das fábricas, para haver a “produção da fome”. E muito mais Soares conhecia, bem como da ditadura imposta no Vietname do Norte e outras.
Mário Soares, ao saber disto, ao curriculum passado como exilado, deu um terrível golpe (político) a Portugal: desrespeitou – “acompanhado” de Cunhal e de Rosa Coutinho – os dez anos programados para haver independência de Angola, Guiné e Moçambique, procurando “entre o capim” os então terroristas, para lhes entregarem o poder. Resultado: criaram-se após a independência do Ultramar, milhares e milhares de mortos nas guerras civis travadas, situação que ainda hoje não existe – entre eles – paz e verdadeira democracia, como também provocou o regresso a Portugal de mais de um milhão de retornados que o Continente teve de acolher. Mário Soares partiu, mas foi um político excessivamente caro e polémico no seu país. Garatujices? Não. Verdades que a história julgará.
(O autor não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico).
Autor: Artur Soares