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Fugindo do presente para não falar dele

Os portugueses precisam de mensagens com tradução prática num espaço temporal razoável e que lhes possam dizer respeito. Precisam de explicações para aquilo que acontece nos dias que correm no seu país, sobre as injustiças que é não haver dinheiro para tanta coisa essencial e sobrar milhões para desperdício ou agrado de alguns poucos amigos. Esperava-se que o primeiro-ministro dissesse algo sobre isso no seu discurso de ano novo, mas não. Preferiu engatar um monólogo em que falou de objectivos para daqui a dez, vinte e trinta anos! Falou daquilo que não consegue assegurar, apesar de dizer que o futuro se constrói no presente. É verdade que esta afirmação pode até ser verdadeira, mas se não se percebe o presente, como haveremos de perceber o futuro, ainda mais o que vem ainda longe? Se o presente não é bom, que adianta falar-se sobre o futuro? Os portugueses vivem no presente, António Costa e o Partido Socialista governam o país nos dias que correm, um e outro devem preocupar-se, em primeiro lugar, sobre aquilo que preocupam os cidadãos e são tantas coisas! Para quê perscrutar o futuro, ainda para mais tão longínquo e incerto, quando existem tantos pobres entre os portugueses? Por que não se fala antes do estado da saúde, da economia, do emprego, da habitação e de tantas outras coisas que afligem actualmente os portugueses? Os temas são muitos e variados e, estou certo, são os que os cidadãos gostariam de ver resolvidos. O alívio da vida de cada um é desejado agora, amanhã e depois, para se saia do marasmo rapidamente, ou seja, no presente; não que aconteça só daqui a uma dezena ou mais de anos. Mas, não há que acautelar o futuro? Certamente, mas depois de cuidar convenientemente do presente.

Na mensagem de ano novo do primeiro-ministro de Portugal, gostaríamos que nos tivesse explicado o que se passa na TAP. O discurso já estava escrito quando os três membros do governo se demitiram e se soube do esbanjamento do nosso património e já estava contratualizado o espaço para o texto no Jornal de Notícias? Não é explicação que se possa dar aos portugueses que mereciam mais respeito. Ficamos sem saber o que o primeiro responsável do Executivo português pensa sobre o que se passou nem o que vai ou não fazer para evitar que outras situações aconteçam. Ficamos sem saber se vai mandar averiguar outras situações esquisitas ou se vai metê-las todas num bunker para que as explosões não lhe estraguem o sonho. E se não nos dão respostas cabais, ficamos preocupados não só com o nosso presente como com o nosso futuro. Que nos interessa que nos digam que Portugal vai ficar “neutro em carbono em 2050”? Que significado pode ter a afirmação de que Portugal “na década de 40 terá um PIB per capita acima da média europeia”? Ou que “até 2030 retirará 660 mil pessoas de situação de pobreza”, que “reduzirá para metade o número de crianças nessa situação ou que “investirá 3% do PIB em I&D”? São números e metas distantes de se cumprirem e sem garantia. Muita água passará debaixo das pontes e a que passa nestes tempos não é boa para consumir. Como podemos acreditar no que nos dizem do futuro se não nos explicam o presente recente? Se não nos garantem o presente, como podemos achar que o futuro virá como dizem?

Há-de haver um motivo cabeludo para que o primeiro-ministro de Portugal se tenha alheado de abordar a ilegalidade (?) e imoralidade de que tomamos conhecimento recentemente. Terá sido para que não percebamos que está a ficar sem chão? Que o seu governo está a esfrangalhar-se mais rápido do que o mais pessimista podia prever? A verdade é que a tendência para o alheamento do presente já não é nova. E neste aspecto, não vamos ficar surpreendidos. O ano é novo, mas os tiques vão permanecer os do costume. António Costa vai continuar a falar do futuro para não falar do presente.


Autor: Luís Martins
DM

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3 janeiro 2023