Quem disse que o Diabo não vinha? Quem acreditou que ele se poderia deixar enganar por um suposto milagre económico e financeiro do Governo da “geringonça”?
Quando muitos supunham – eu incluído – que o Príncipe das Trevas ia atacar pelo flanco das estratégias e opções das políticas orçamentais, salariais e sociais e rebentar com a economia e finanças logo nos primeiros tempos da governação, eis que o tratante, revelando uma notável perspicácia e um enorme sentido de oportunidade, resolveu aguardar pelo verão mais quente e pelo ano mais seco das últimas décadas para acometer contra o país na área em que é um temível especialista: a dos fogos!
E fê-lo duas vezes, com inusitada virulência, num curto intervalo de quatro meses, deixando um rasto de morte e de destruição inigualáveis e pondo a nu um Estado falhado, impotente para defender as pessoas e bens dos seus cidadãos, e um Governo negligente, relapso e incompetente, mais preocupado em perpetuar-se no poder do que em servir os governados.
Como não quero ser maçador na abordagem de um tema da máxima actualidade que tantos rios de tinta tem feito correr, proponho-me discorrer hoje sobre duas ou três ideias que se me afiguram essenciais para encarar seriamente o problema e evitar a repetição de catástrofes semelhantes às de Junho findo e deste cálido Outubro.
Há uma trintena de anos ou mais que, consecutivamente, com maior ou menor intensidade, embora com um muito mais reduzido número de vítimas mortais e com danos patrimoniais menos extensos, se vem repetindo o flagelo dos fogos florestais.
Atravessando este período temporal governos de vários partidos, pode concluir-se que todos, sem excepção, se revelaram incapazes de gizar e aplicar adequadas políticas de prevenção e combate aos incêndios e de adoptar políticas integradas e complementares nas áreas do ordenamento do território, da agricultura e florestas, da gestão do mundo rural e da descentralização administrativa. E, também, que, salvo raras excepções, todos nós nos limitamos a observar esta cíclica desgraça, como se a mesma não nos dissesse respeito.
Por isso, uma das lições a retirar destas calamidades é que a questão dos fogos florestais é demasiado importante para ser deixada apenas aos partidos e aos políticos. A sociedade civil tem de mobilizar-se para este combate, já e em força!
A segunda ideia que quero destacar é a de que todas as estratégias e opções de gestão das florestas e do mundo rural, como, de resto, as do ordenamento territorial e da descentralização, reclamam uma verdadeira solidariedade, sem a qual não haverá coesão social. E sem esta não existirá uma autêntica consciência nacional. As pessoas e as zonas do interior, mais pobres e desertificadas, têm justamente de merecer uma discriminação positiva. E não só por uma questão de igualdade, pois o litoral carece de um território global, equilibrado e racionalmente ocupado, para garantir o ecossistema e o desígnio estratégico da sobrevivência da nação.
Aliás, que legitimidade terá Portugal para reivindicar mais solidariedade por parte dos países mais ricos da União Europeia se, internamente, não formos capazes de ser solidários?! Como bem disse Leon Tolstoi, “se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”.
A terceira e última nota que pretendo sublinhar prende-se com a necessidade premente de tomar, desde já, decisões de fundo o mais abrangentes e consensuais que for possível, tomadas com base em instrumentos de trabalho imprescindíveis, de que não posso deixar de citar, como exemplo maior, a conclusão do cadastro geométrico da propriedade. Chega de displicência e de populismo. Chega de fogo de artifício político. A gestão do mundo rural reclama políticas de muito longo prazo que se não compadecem com medidas cíclicas avulsas.
Ainda que sejam de aplaudir, as medidas que o Governo tomou no passado sábado a reboque da tragédia não são suficientes, segundo especialistas e investigadores na matéria, para garantir que, em 2030, não ocorra uma catástrofe maior do que a que agora enlutou o país e lhe roubou uma parte substancial da sua riqueza.
Se é assim, porque não esconjurar já o regresso do demónio?
Autor: António Brochado Pedras
Foi o diabo...

DM
27 outubro 2017