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Fissuras

Quando os dirigentes têm discursos inflamados, quando os treinadores não se respeitam, quando os adeptos se hostilizam, quando a insegurança e a violência acontecem, alguma coisa tem que ser feita. Quando o respeito, a cordialidade e os princípios morais e desportivos são feridos, particularmente, quando são perpetrados pelos agentes desportivos com responsabilidade, alguma coisa tem que ser feita. Infelizmente, a violência das palavras, o desrespeito pelas funções, a promiscuidade de opiniões facciosas, estão a criar fissuras mais graves ao futebol, do que as que despontaram na bancada do Estoril. Essas são fáceis de reparar. Os cânticos das claques hostilizando as figuras de proa dos clubes e/ou os seus adeptos adversários não são um fenómeno recente, porém este tipo de comportamento para além de refletir a fraca cultura social e desportiva que reina na nossa sociedade, são altamente inflamáveis para condutas mais graves. Treinadores que ridicularizam e desrespeitam os adversários, presidentes de clubes que são autênticos lança-chamas, adeptos que agridem jogadores (até do seu clube), árbitros que são conspurcados na sua dignidade, comentadores incendiários, podem ser as principais fissuras que podem fazer desabar a credibilidade do desporto. Algumas declarações recentes de alguns treinadores e outros tantos presidentes de clubes deviam ser alvo de sanção disciplinar. Mas uma sanção exemplar. As conferências de imprensa não são locais para lavar “roupa suja”. Os amantes do futebol não devem andar satisfeitos com este ambiente. As pessoas que pagam já estão fartas destas palhaçadas. Os agentes desportivos com responsabilidade devem respeitar a sua função, os colegas de profissão, todo o tipo de adeptos que apoiam os seus clubes, respeitar-se a si próprios, pois não é para isso que existem e que lhes pagam. Claro que o desporto tem como objetivo ganhar. Claro que é um objetivo comum ser o primeiro, o campeão. O ridículo deste tipo de atitudes, provocadas pela falta de carácter, de profissionalismo, só serve para afastar o público e fazer desacreditar o futebol. Tipicamente tenho uma opinião muito favorável à constituição de grupos organizados de adeptos, porque, potencialmente, engrandecem a festa e prestam uma cor e um calor mais intenso ao ambiente desportivo. Genericamente, dão força ao símbolo e ao sentimento de pertença a um determinado clube, podem ser, efetivamente o 12.º jogador. Mas, quando as claques assumem posturas de violência indiscriminada, quando é usada para fins menos lícitos, quando hostiliza quem, por bem, quer assistir a um espetáculo desportivo, tem que ser questionada a sua função e existência. Por muito fundamentadas e até interessantes que possam ser as explicações sobre este fenómeno, e o entendimento que é muito melhor prevenir do que remediar, este tipo de conduta das claques, dos presidentes, dos treinadores e dos “futeboleiros” manhosos, se passar impune ou eventualmente, até, desculpabilizados pelos seus atos, favorece uma forma intolerável de estar no desporto. Nós somos “pobres” na nossa cultura desportiva, mas podíamos, ainda assim sermos “nobres” na forma de encarar este mesmo fenómeno. A minha mãe sempre nos disse: «Podemos ser pobres e simples, usar uma camisola gasta, mas sempre lavada e asseada.» Temo que a dimensão destas “fissuras” estruturais do fenómeno desportivo tenha um impacto muito nocivo para as próximas gerações.
Autor: Carlos Dias
DM

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19 janeiro 2018