Se recuarmos no tempo, facilmente concluímos que o direito a férias passou por muitas vicissitudes até ser considerado e reconhecido como fundamental e universal para quem trabalha; e, mesmo assim, ainda existem países que o ignoram ou simplesmente o têm na conta de uma superficialidade ou perda absoluta de tempo, na certeza de que o trabalho dignifica o homem.
Depois, se fizermos uma retrospetiva aos nossos tempos de infância (50 ou 60 anos atrás), exceto nas pausas escolares, as verdadeiras férias não passavam de uma miragem para a maioria dos trabalhadores; e os que desse direito beneficiavam, muitas vezes preferiam trocá-las por mais uns trocos ou utilizá-las em trabalhos caseiros adiados.
Hoje, as férias são o tempo absoluto de um certo país se esticar ao sol como os lagartos, curtir a pasmaceira e deixar que a vida vá rolando sem canseiras; e na convicção de que ela são dois dias e este já vai a meio; e disse um certo país, pois, ainda há muito quem não se possa dar ao gozo de as gozar à maneira.
Então, uma certa fauna que por aí campeia a viver à custa do povinho é perita em gozar esse tempo remansoso nacional, de barriga ao sol e dieta alimentar à base de lagosta e caviar e com o argumento esfarrapado, sem dúvida, de que precisam de recuperar energias; e como se o seu trabalho, é preciso ter lata, fosse à custa de pá e picareta.
Todavia, se o meu amigo leitor pertence ao número dos portugueses (e que são a maioria) que não sabe o que são verdadeiras férias fora de casa e, muito menos do país, porque, no fim de tudo, os carcanhóis pouco mais dão do que para o sustento da manada, não desespere e lembre-se que, ao fim e ao cabo, o sol a mais faz cancro de pele, as comezainas matam mais do que remédio dos escaravelhos e uma sardinhada ganha com o suor do rosto e comida com um sorriso nos lábios e a alma limpa sabe tão bem ou melhor do que a tal travessa de vermelhos.
Pois bem, com as férias chega o tempo da grande barrela nacional nas salsas águas do Atlântico, para os pobres e remediados ou nas do Pacífico e Índico para encarteirados; e pena é que não seja igualmente por dentro; porque muito boa gente a está a pedir como de pão para a boca ou bicarbonato de sódio para o estômago, depois de uma valente churrascada bem regada a verde tinto à sombra de um chaparro numa tarde de Domingo sem futebóis.
E, então, mal o verão desponta com céu aberto, em cada portuga cresce a força do telurismo de que ele é feito e não há mata, bosque, parque ou jardim público que escape à invasão de autênticos formigueiros humanos, carregando as lancheiras, os garrafões e as mantas; e, depois, de uma tarde bem passada que meteu de tudo (jogo da bisca e do bicho, pontapé na bola e soneca ressonada) é o regresso já com o crepúsculo nos olhos e a noite na alma, porque a semana é longa e nunca se sabe se no Domingo seguinte se repetirá a dose.
E eu que sou português, também descendente de Gamas e Cabrais e outros que tais, vou também fechar para férias, até para fazer a vontade a muita malta que anda por aí morta por me ver pelas costas; só que, se Deus quiser e as musas me ajudarem, eu vou mas volto e estejam descansadinhos da silva, porque após carregar baterias e ganhar fôlego, continuarei a incomodar quem deve ser incomodado em defesa da verdade, da justiça, da paz e do amor, e como dever é de todos os homens, embora cada um com as armas de que dispõe e à sua maneira (à paulada, ao tiro, aos miminhos ou aos beijos).
Agora, se realmente o meu amigo leitor não tem direito a férias e muito menos gosta de mostrar as banhas na praia, a bem da sanidade pública, ao menos dê uns bons mergulhos na banheira lá de casa ou no tanque do quintal e apanhe umas boas torradelas de sol na varanda de casa; mas, se a sua casa a não tiver (o que não é de espantar com a arquitetura-caixote que por aí impera), suba mesmo ao telhado e passeie-se em fato de banho ou mesmo em cuecas e descalço, porque sempre dá para poupar na roupa e arejar, ao menos uma vez por ano, os interiores.
Vai ver que, assim, se sentirá mais europeu e um legítimo filho da… União Europeia; e que, mesmo teso e enfesadinho da cunha, é capaz de usufruir as vantagens de pertencer à tal Europa dos ricos, nem que seja somente para consumir os produtos que eles produzem e exportam; porque, assim, nos vão enganando com os subsídios que nos facultam para deixarmos de produzir.
Então, boas férias se for caso disso e, até, setembro.
Autor: Dinis Salgado
Finalmente férias

DM
4 julho 2018