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Filhos, precisam-se

Não há muito tempo, um sacerdote meu amigo foi convidado para celebrar o baptismo do primeiro filho de um casal. Por sinal, tinha sido ele a presidir à cerimónia do matrimónio dos pais do baptizando, dois anos antes.

Entretanto, o tempo foi passando, mudou de cidade por razões pastorais e também de idade. O referido sacramento baptismal ocorreu numa igreja a que ele dera o seu concurso, como pároco, durante mais de dez anos.

Ao chegar, foi saudado efusivamente por várias pessoas que o conheciam, perguntando o que é costume: se estava bem, se a saúde não sofrera abalos, o que fazia agora depois de ter deixado a paróquia, enfim, como se dava na cidade onde morava actualmente.

Reviu com alegria alguns dos seus colaboradores antigos, pedindo-lhes com sinceridade que não alardeassem esta sua súbita incursão, em virtude de se tratar duma passagem relâmpago. Logo a seguir ao baptismo, apanharia o comboio para regressar à “sua” cidade. Daí tinha vindo da parte da manhã e aí teria de voltar até às quatro da tarde, porque várias tarefas o aguardavam.

Não pôde aceitar vários convites para almoçar, apesar da forte insistência de algum ex-paroquiano. Ficaria para outra vez, pedindo escusa por esta, mas não tinha outra solução: sairia a correr findo o baptismo.

Boas pessoas, compreenderam, mas houve uma que, com simpatia ditatorial, o informou, sem admitir outro tipo de resposta, de que esperaria pelo fim da celebração para o levar de carro à estação, já que tinha tanta pressa.

Relembrando-se que ao sábado havia catequese para as crianças, notou que um dos antigos ajudantes nesta área tão importante na vida de uma comunidade, lá estava, de pedra e cal, com os seus alunos, disposto a começar mais uma sessão das muitas que empreendia. Reuniu-os em seguida e foram para uma sala, cuja porta se fechou.

À sua frente, ficou sozinha uma senhora, depois do filho se ter retirado com o catequista e as outras crianças. Dirigiu-se amavelmente ao sacerdote. “Tenho muito gosto em cumprimentá-lo. Disseram-me que o senhor padre foi aqui pároco uma boa temporada".

“È verdade”, concordou. E ela prosseguiu: “Sabe, eu não sou paroquiana desta igreja”. “Suponho – atalhou o antigo prior – que o seu filho está cá na catequese por conveniência de horário da sua parte...” “Não, senhor Padre, não é por isso. Acontece que o meu filho é aluno do primeiro ano de catequese.

E na minha paróquia não havia crianças da sua idade, pelo que não abriram matrículas. Aliás, nem para o primeiro ano, nem para os três seguintes por falta de crianças. Por isso, inscrevi-o aqui”.

Embora tentasse disfarçar a tristeza que lhe causou aquele esclarecimento, a senhora notou-a e comentou. “Sabe, Senhor Padre, ter filhos, nos nossos dias, não está de moda. Eu tenho cinco e, quando nasceu este – o número três – no meu emprego fui muito mal tratada.

Chamaram-me louca, palerma, idiota e perguntaram-me se eu não iria parar com a filharada... Sofri muito, mas depois veio o quarto e quando passavam por mim, encolhiam os ombros, como se as suas recomendações e impropérios fossem inúteis. Pensavam: “Com esta já não há nada a fazer”. E alguma chacoteava: “É tão bom ter licença de parto. Descansa-se, fica-se em casa, e as colegas que se amolem no trabalho”

Entretanto, divorciavam-se, recasavam-se, enfim, uma desordem total de vida, com baixas, depressões e problemas muito complicados com os filhos, que entravam na droga, não queriam nos fins-de-semana estar com o pai, que mudava de companheira periodicamente, etc.

“ E continuou: “Há pouco, uma dessas passou por minha casa já não sei porquê. Convidei-a a entrar e viu-me com os meus descendentes em perfeita harmonia. Ficou muito impressionada. No dia seguinte, pediu-me para falar comigo em particular.

Surpreendida, perguntei-lhe o que queria. Chorou e desabafou: “Desculpa pelo que te disse a respeito de teres tantos filhos. Ontem, em tua casa, percebi porquê. Se calhar estás certa. A minha família e o meu casamento foram por água abaixo.... E eu tenho de ir ao psiquiatra. Gasto fortunas, vai-se o ordenado e sinto-me cada vez pior...”.


Autor: Pe. Rui Rosas da Silva
DM

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16 junho 2018