Em fevereiro de 1961 o país acorda para a trágica realidade da guerra no Ultramar que se prolongou por 13 dolorosos anos; e que ao povo trouxe enormes sacrifícios económicos e muitos problemas familiares e sociais, só comparáveis aos da última Guerra Mundial.
Assim, para responder depressa e em força que era a palavra de ordem do poder instituído, intensifica-se a preparação militar, mesmo que insuficiente e desadaptada à guerra de guerrilha que nos esperava; e sucedem-se a um ritmo frenético nas paradas dos quartéis os juramentos de Bandeira, inexoráveis guias de marcha para Angola, Moçambique e Guiné:
Juro ser fiel à minha Pátria e estar pronto a lutar e a dar a vida por ela. Juro defender a Bandeira até à última gota de sangue, respeitar as leis, observar a disciplina militar, obedecer cegamente aos meus chefes e honrar as tradições gloriosas do Exército Português.
E nós, os jovens de então, que não fugimos, não desertamos, não tivemos padrinhos para nos proteger somos apanhados no vórtice da cruel tragédia, esperando-nos a mobilização em massa para combater em campo adverso um inimigo improvável e em condições geográficas, ambientais, humanas e militares muito difíceis e desiguais; e por alguma razão o soldado português foi considerado o melhor soldado do mundo, pois, mesmo nestas inglórias condições, bateu-se galhardamente.
Abandonamos, assim, as nossas terras, as nossas famílias, os nossos lares e interrompendo empregos e estudos; e, obviamente, deixando adiados projetos de vida, sonhos e esperanças em que a imaginação juvenil fértil sempre se revela.
Consequentemente, os cais e gares de embarque de Lisboa transformam-se em autênticos muros de lamentações, de lágrimas e dores, em alvoradas de lenços brancos que acenam despedidas e afetos nas mãos de pais, esposas, namoradas e amigos; e mal os paquetes lançam o uivo de largada, um clamor plangente de vozes sobe aos ares lavadas e frescos da cidade que desperta, indiferente e vária, para mais um dia de labor.
Entretanto, com a intensificação da guerra nas três frentes de combate, começam a chegar ao país notícias de acidentes e mortes, quase sempre por vias não oficiais; porque os jornais, apenas de tempos a tempos, e muito veladamente nas páginas mais interiores e menos procuradas, iam debitando a conta-gotas:
O serviço de Informação Pública das Forças Armadas comunica que morreram em combate na província de Angola, o soldado n.° 143760/65, José Canilhas, na província de Moçambique o furriel miliciano n.º 2817 43/66, António Dornelas e na da Guiné o alferes miliciano n.º 32193/65, João Moura.
As senhoras do Movimento Nacional Feminino, ao serviço oficial da causa, continuam a ir aos cais de embarque distribuir cigarros e medalhinhas aos militares; e, em épocas especiais, como no Natal, visitam as famílias dos combatentes, nas aldeias onde vivem, com palavras de conforto, notícias animadoras e oferecendo-lhes pequenas lembranças religiosas.
O fim da guerra que veio com o 25 de Abril traz, por parte de algumas forças políticas, críticas e apodos de fascistas, reacionários e colonialistas aos ex-combatentes, como igualmente um total desprezo e aviltamento pelo serviço que prestaram à Pátria; e mesmo dando-lhes tratos de traidores e inimigos da História.
Todavia, para que conste como memória futura, mormente para as gerações mais novas, aqui fica o balanço dos 13 anos de guerra: 800 a 100 mil combatentes, 10 mil mortos, 140 mil traumatizados e 30 a 40 mil com stress pós-traumático de guerra.
E, agora, a 58 anos já de distância, esquecidos e desacreditados, os ex-combatentes que restam ainda vivos (sexagenários, septuagenários e octogenários), apenas, porque a Pátria os esqueceu, se podem rever na realidade, nua e crua, deste poema:
Quando o chamou a Pátria, respondeu
Prontamente, capaz e orgulhoso
Por defender o povo e o chão ditoso
Cuja História nos livros aprendeu.
Da vida os verdes anos despendeu
Por capinzais e clima tormentoso,
Sob o clamor das armas rumoroso
Em augúrios de morte que viveu.
Foi combatente em terras de Além-Mar,
Onde o suor, o sangue e a dor sem par,
Traduzidos em laivos de memória,
O postaram num beco da cidade
Feito estátua de bronze sem idade
Como fosco fanai da nossa História.
Então, até de hoje a oito.
Autor: Dinis Salgado