1.Nestes últimos dias, tem-se falado muito acerca de um crime que se revestiu de grande barbaridade para se apoderar dos bens e dinheiro da vítima, crime esse que pode estar a abalar a confiança de futuras adopções: o assassinato da professora de Física e Química, de 59 anos, no Montijo, pela filha adoptiva, de 23 anos, no dia 1 de Setembro, com o apoio do marido, sendo que ambos viviam em casa dela, drogando-a e matando-a depois à martelada na cabeça e a seguir esquartejada e queimada com gasolina a 40 km longe de casa.
No último artigo sobre linguagem corporal, falava-se sobre estratégias para descobrir quando o nosso interlocutor está a mentir. Estava longe de imaginar que, poucos dias depois, se assistia, pela televisão, à confirmação de uma situação em que a suposta criminosa procurava desviar as atenções para outros no que respeitava à ausência da mãe de que ela era culpada. Foi exactamente ao desvendar esses comportamentos para encobrir a mentira que a filha adoptiva se denunciou a si própria. Porque é praticamente impossível controlar a linguagem corporal face à mentira. De uma maneira ou de outra, como sentenciava Freud, o corpo fala por nós e diz aquilo que procuramos ocultar. É um longo código de sinais que cada vez se vai descobrindo melhor e que temos de ir aprendendo a decifrar.
2. Pelos sinais demonstrados, podemos estar aqui diante de um quadro em que o modo de agir apresenta semelhanças com traços psicopáticos, tais como falta de consideração pelos sentimentos dos outros, crueldade para atingir os seus objectivos, planeamento minucioso do crime para o tentar encobrir (chegou ao pormenor de fazer um apelo no Facebook para ver se alguém descobria o paradeiro da mãe e distribuiu cartazes com a fotografia dela para ver se a localizavam, sabendo ela que a tinha assassinado e queimado). Há aqui uma frieza cruel de sentimentos e uma execução fria do plano que tinha feito para encobrir o crime.
Na entrevista que deu à TV, para além dessa incoerência sádica de frieza de sentimentos, comprometeu-se ao trocar as referências temporais dos factos (falava da mãe no passado, dando por isso a entender, sem querer, que ela já estava morta), apertava e mordia os lábios (outra zona sensível para se perceber quando está a falar verdade ou a mentir), insegurança do discurso, tom de voz instável, desviar o olhar para o chão para tentar fugir ao confronto, referir-se à mãe como uma pessoa ausente, evitar expressão de sentimentos…
3. Alguém defendeu, na TV, que este tipo de crimes tanto podia ser praticado por uma filha adoptiva como por uma filha biológica. Não será bem assim porque há determinantes de relação distintos. Uma relação normal dos filhos com a mãe biológica tem características especiais de ligação afectiva que não existem nos casos de adopção. Na relação mãe/filho há dois factores distintos, vivendo embora ambos interligados: a relação física e biológica com a mãe durante 9 meses e a relação afectiva que se torna constituinte desde esses primeiros tempos da relação. Ambas se interligam, embora distintas na sua fundamentação. O tempo em que o bebé vive simbioticamente com a mãe durante 9 meses deixa marcas que uma situação de adopção nunca pode ter, mais ainda quando a adoptada já tinha 9 anos. Há quem pretenda valorizar somente a dimensão afectiva e quase esqueça a relação biológica, mas não é legítimo fazê-lo.
No entanto, e apesar de serem situações diferentes, também acontecem casos de violência mortal de filhos biológicos para com os pais, como, por exemplo, o do recentemente conhecido caso de um rapaz de 21 anos, de Vila Verde, que assassinou o pai a tiro de caçadeira e escondeu, com ajuda da mãe, o cadáver na mala do carro da vítima e o deixou abandonado em Palmeira, Braga e que está agora a correr no tribunal. Assim como casos de viciados em droga que agridem ou matam os pais para lhes tirarem o dinheiro. O caso de Vila Verde parece ter contornos especiais de conflito psicológico no triângulo pai/mãe/filho.
4. Para conhecer melhor o caso desta filha adoptiva que assassinou a própria mãe é necessário conhecer mais informações do seu passado. São informações importantes não apenas do ponto de vista da compreensão do caso, mas sobretudo para prevenir que este acontecimento venha a ter consequências em casos de futuras adopções. Admite-se que nos casos de psicopatia pode haver razões de lesão cerebral ou traumas de perturbação precoce. Vamos aguardar por mais informações para podermos compreender este caso e daí tirar conclusões para melhor se poder avaliar os riscos de casos de adopção, que é um acto de grande generosidade, mas precisa de informações que o protejam.
(Nota: o autor não escreve de acordo com o chamado Acordo Ortográfico)
Autor: M. Ribeiro Fernandes
Filha adoptiva que matou a mãe
DM
23 setembro 2018