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Ficar em casa

Quis hoje cortar hoje o cabelo, esquecendo-me da reunião do Conselho de Ministros que confirmou o estado de emergência do país, mas encontrei todas as portas dos estabelecimentos fechadas. Poucos automóveis a circular e um grande silêncio, mesmo à beira de um pequeno supermercado, onde habitualmente há bastante agitação. Entretanto, pelo telefone, alguém me pediu para eu celebrar missa por alma de um tio dum sobrinho meu italiano, casado com uma filha duma minha irmã, que vive em Milão. Pelos vistos, o defunto já era bastante idoso, residia num lar, e o vírus vindo da China, que no seu país tantos óbitos tem provocado, não o poupou. Este ramo meu familiar da região da Lombardia, está todo recolhido numa casa de campo, a fim de evitar as consequências da pandemia. O estado de emergência é mesmo para tomar a sério, porque, da nossa parte, qualquer desleixo pode ser fatal, como costuma dizer-se. Assim, recolhemos a casa, sentindo mais intensamente a vida de família e, com certeza, dando graças a Deus pelo facto de ter proporcionado ao homem esta possibilidade de compartilhar em conjunto com pessoas que têm uma relação natural entre si e que, de um modo espontâneo, sentem a obrigação de ser afáveis, compreensivas e generosas no modo de enfrentar esta situação extraordinária e dramática. Não são seres individuais e intocáveis, mas seres que sentem de forma espontânea que devem ter espírito de serviço e de fraternidade. De forma inevitável, porém, me veio imediatamente ao espírito a situação de muitas famílias, que se encontram esfrangalhadas pelos divórcios, pelas uniões de facto periclitantes, pelas desavenças fúteis, pela falta de fidelidade dos cônjuges, que se julgam no direito de fazer férias desta condição fundamental para haver harmonia e bom senso entre quem deve ter para com o outro respeito e consideração no grau mais elevado. O panorama, no nosso país, neste aspecto, não é nem brilhante, nem recomendável. A grande quantidade de agregados familiares destroçados atinge números indesejáveis e não é nada simples que a obrigação de ficar em casa seja resolvida de modo fácil e satisfatório. À partida, os descendentes dos lares desfeitos estão com a mãe, que habitualmente com eles vive no quotidiano.. Mas os seus filhos não irão visitar o seu verdadeiro progenitor, como é normal, no fim-de-semana, ou nos prazos que o tribunal decidiu? Se dá o caso de que a senhora, a partir de um certo momento, tenha arranjado uma companhia masculina para o seu lar, provavelmente não terá grande .dificuldade de que o comparsa veja com bons olhos a saída da prole, porque lhe poderá facilitar, se a companheira assim der o seu assentimento, que os seus filhos reais o visitem nesses mesmos dias. E no outro lado? O pai, duma maneira geral, vive uma segunda ligação. que foi muitas vezes a causa primordial da desagregação do seu meio familiar. O seu par aceitará? Não temerá que a deslocação dos filhos do seu colega de casa possam ser um motivo de infecção para a sua descendência ou para si mesma? Quem poderá garantir que eles não trarão consigo o bichinho pernicioso? Os conflitos, nestas circunstâncias, podem gerar muitas confusões e traumatismos nos filhos, que se verão como uma espécie de material não muito desejável num lado ou noutro, em virtude da falência da sua família originária. Que este ficar em casa obrigatoriamente, como está determinado, nos faça pensar na necessidade de que a sociedade reconsidere a legislação permissiva sobre os divórcios e as separações. E que quem quer formar família pense com seriedade no que vai fazer, para se prepara para viver em comum a vida inteira e não apenas um prazo fortuito e caduco. Ninguém pode apreciar que o lar que o trouxe ao mundo não passe duma ruína, a partir de um certo momento.
Autor: Pe. Rui Rosas da Silva
DM

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22 março 2020