O estado da ferrovia nacional é um autêntico desastre. E de nada valeu o PLANO FERROVIA 2020 que, em Fevereiro de 2016, o governo socialista e as Infraestruturas de Portugal (IP) aprovaram em conjunto e que, supostamente, com investimentos na ordem dos sete mil milhões de euros, iria modernizar os caminhos de ferro portugueses, mudando o paradigma da mobilidade, da logística e da descarbonização da economia até 2020, já que, deste plano, em 2019, só se mostravam concluídos investimentos na ordem dos 6%!
E não é de admirar este quadro de abandono a que foi votado o transporte ferroviário nacional quando, entre 1986 e 1995 e 2008 e 2012, foram encerrados mais de mil quilómetros de linhas, sobretudo em Trás-os-Montes e no Alentejo. E, quando, entre 1988 e 2009, se registaram perdas de 43% de passageiros de comboios, sendo certo que, no período que mediou entre 1990 e 2008, a quota de mercado deste transporte caiu 66%, em contraste com o que se passou nos demais países da Europa Ocidental, onde o número de passageiros aumentou substancialmente, em especial naqueles que, como a Alemanha e a Espanha, apostaram nos comboios de alta velocidade, em que o crescimento foi de 83% e 157%, respectivamente.
O diagnóstico da rede ferroviária portuguesa está de há muito feito. Ineficiente e desajustada das necessidades do país, é incapaz de fazer face às exigências da procura existente e da potencial. E, nessa medida, constitui um travão ao desenvolvimento da economia nacional. Os sucessivos governos democráticos optaram pela rodovia, tornando marginal o transporte ferroviário de passageiros e de mercadorias.
E nem mesmo os projectos para a construção de uma rede de linha de Alta Velocidade, iniciados há cerca de uma trintena de anos, lograram concretizar-se, quer por força da crise económico-financeira de 2011/2012, quer por manifesta falta de vontade política.
Ora, existe hoje a consciência de que é preciso investir na rede ferroviária nacional segundo um plano estratégico que reúna o consenso das principais forças políticas e dos representantes dos mais importantes sectores da economia e da sociedade e que aproveite ao máximo os avultados fundos comunitários que irão ser disponibilizados ao longo da década que agora se abre.
E mais: que este plano se articule, de forma harmónica e interactiva, com as políticas aeroportuárias, marítimas, ambientais e de eficiência energética, aproveitando ao máximo as tecnologias de automação que estão na base da Quarta Revolução Industrial e rentabilizando a produtividade e os grandes investimentos.
Num momento em que a Comissão Europeia pretende promover a rodovia “enquanto modo de transporte sustentável, inovador e seguro” e está empenhada em criar um “verdadeiro espaço ferroviário europeu único sem fronteiras”, através da implementação de “uma rede coerente e funcional, num exercício de coesão política”, para o que até já elegeu 2021 como Ano Europeu do Transporte Ferroviário, com vista a assinalar o contributo deste meio de transporte para a concretização do Pacto Ecológico Europeu, é tempo de o governo deixar de andar a brincar aos comboios e se empenhar a sério na concretização urgente dos investimentos previstos no Orçamento de Estado para 2020, no Ferrovia 2020 e no Programa Nacional de Investimentos 2030.
E, para isso, é preciso concretizar todos os projectos que estão com anos de atraso, como é essencial resolver o principal problema da interoperabilidade ferroviária com a Europa – a bitola ibérica –, sem o que os comboios portugueses não poderão entrar em França e, num futuro próximo, até em Espanha que está a mudar a sua rede para a bitola europeia.
Para um país periférico e relativamente pobre como é o nosso, é vital garantir a ligação ferroviária dos seus portos e das suas indústrias e mercadorias às redes ferroviárias europeias de alta velocidade.
Se é verdade que Portugal tem no mar a sua grande utopia, poderá bem dizer-se que terá no comboio a sua grande oportunidade de desenvolvimento e de consolidação da coesão e da sua vocação europeias.
Autor: António Brochado Pedras