Após o terramoto de 1755 que, como vimos na crónica anterior, ficou muito empobrecido o património em Lisboa e arredores, grande parte dele mandado edificar com muita fé e dedicado a Nossa Senhora. Por isso, houve logo um trabalho de reconstrução e, ao mesmo tempo, criaram-se novos edifícios religiosos dedicados à Virgem Maria, instituições de beneficência (caridade, saúde, assistência…), não só nesta cidade, mas por todo o país.
No Porto, por exemplo, temos templos dessa época como a Igreja dos Clérigos consagrada a Nossa Senhora da Assunção; a igreja de Nossa Senhora da Lapa que começou por uma pequena capela, construção iniciada no dia 7 de janeiro de 1755, uns meses antes do terramoto, graças às pregações do Pe. Ângelo de Sequeira, missionário natural do Brasil.
A devoção e a crescente entrega a Nossa Senhora das gentes portuenses pela cidade ser poupada da tragédia de Lisboa fizeram com que esta pequena ermida fosse diminuta para os milhares de devotos que a frequentavam, dando origem ao atual templo que, em 1788, o Pe. Agostinho Rebelo da Costa referia que era “igual na majestade da sua estrutura às maiores catedrais do reino”.
A igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo e de Nossa Senhora do Terço e Caridade foram iniciadas, respetivamente, a 29 de agosto e a 8 de setembro no ano posterior ao terramoto (1756). A forte entrega das gentes do Porto fez com que fosse possível construir, ao lado de cada templo, hospitais, casas de caridade, obras de assistência que, juntamente com as Misericórdias, contribuíram imenso para ajudar os mais necessitados.
O mesmo Missionário, em 1757 na cidade de Braga, começou por reunir o povo à volta de uma simples estampa de Nossa Senhora que, graças às suas pregações, deu origem a uma imagem e, a 9 de setembro de 1761, foi lançada a primeira pedra para a construção da capela de Nossa Senhora da Lapa, sendo financiada pelas ofertas que foram aumentando ao longo do tempo.
Em Lamego, na segunda metade do século XVIII, é construído o Santuário de Nossa Senhora dos Remédios, patrona de Lamego, que todos nós conhecemos como uma obra grandiosa, prova da devoção dos portugueses a Nossa Senhora, constituída por um conjunto arquitetónico (1750- 1761) de elevada beleza artística composto pelo Santuário de estilo Barroco, substituindo uma pequena capela que tinha sido, segundo algumas fontes, mandada construir pelo bispo D. Manuel de Noronha (1551-1569), no Monte de Santo Estêvão, e por uns escadórios imponentes, com 500 degraus, fontes, pirâmides e estátuas, para encurtecer a distância e dar ao local a imponência desejada pela Confraria de Nossa Senhora dos Remédios. Diz-se que antes da ermida referida havia uma outra, num local mais alto do monte, mandada construir pelo bispo D. Durão.
Em Lisboa, além de tantas outras construções e intervenções, devido à destruição que o terramoto causou, realço a igreja dedicada a Nossa Senhora do Livramento e a S. José, conhecida como a “Igreja da Memória”, mandada construir por el-rei D. José, convicto da proteção de Maria e de S. José, no atentado da noite, que poderia ser fatídico, de 3 de setembro de 1758. O Cardeal Patriarca, D. Francisco de Saldanha, benzeu a primeira pedra a 3 de setembro de 1760, mas obra só foi finalizada no reinado de D. Maria I.
A tradição dos Círios ou velas de cera, remontando a tempos imemoriais para o cumprimento de promessas e determinados rituais, foi muito reavivada no século XVIII. Sobretudo no centro do país, as paróquias com santuários famosos próximos incrementaram o costume de os visitar, em romagem anual, levando um Círio de grandes dimensões, preparado e adornado, ofertando-o, em nome de todos os devotos. Faziam-se grandes procissões com gente de todas as classes sociais, vestida a rigor, levando o Círio acompanhado de bandeiras, de música, incorporando-se as irmandades e outras instituições religiosas.
Apreciavam-se muito as chamadas «loas», fazendo apologias à Virgem Maria e santos da devoção das gentes da terra, cantadas, geralmente, por anjinhos, transmitindo os sentimentos religiosos e o engrandecimento da região. Havia giros em que os Círios passavam de umas paróquias para as outras em cortejo, constituindo-se grandes cerimoniais e competição entre as freguesias concorrentes, fazendo-se reproduções das imagens veneradas em determinado santuário para permanecerem, geralmente, um ano em cada paróquia em questão.
Segundo refere a obra que estou a ler, “os Círios mais famosos eram os de Nossa Senhora de Nazaré, Nossa Senhora do Cabo e de Nossa Senhora de Atalaia.” Hoje, em todos os santuários, são inúmeros os devotos que oferecem velas, círios, mantendo-se parte de toda essa tradição.
Principal fonte destas crónicas: “Fátima Altar do Mundo”, 3 volumes, sob a direção literária do Dr. João Ameal da Academia Portuguesa da História; direção artística de Luís Reis Santos, historiador de arte e diretor do Museu Machado de Castro, Coimbra; realização e propriedade de Augusto Dias Arnaut e Gabriel Ferreira Marques, editada pela Ocidental Editora, Porto, em 1953.
Autor: Salvador de Sousa