Dita em Portugal – Terra que o Santo Padre bem sabe ser profundamente mariana, desde a fundação da nacionalidade até ao presente, ante um povo que sempre viu em Maria a sua Mãe, a sua padroeira e a sua Rainha (a quem, em 1646, D. João IV ofereceu a coroa portuguesa) e que também sempre porfiou em estender o manto diáfano da Virgem sobre os quatro cantos do mundo que foi descobrindo –, a expressão usada pelo Sumo Pontífice visou, especialmente, agradecer as bênçãos que o Céu concedeu, nestes últimos cem anos, ao nosso país e ao mundo, a mensagem divina, de esperança, de paz e de salvação de que Maria foi portadora e anunciadora e a escolha de três humildes pastorinhos entre o povo seu protegido para, em nome de Deus, com eles selar a aliança da redenção e do amor.
E faz todo o sentido aproveitar a efeméride para dar graças a Deus pela honra da escolha do lugar das aparições e dos seus protagonistas, pela glória de nos ter enviado como mediadora e mensageira a Mãe do Seu próprio Filho e pelo privilégio de vermos dois nossos pequenos compatriotas elevados à santidade e apontados como exemplo às comunidades cristãs de todo o mundo.
De facto, Fátima impôs-se ao mundo, abrindo-se à universalidade dos povos que dos lugares e países mais recônditos da Terra demandam a Cova da Iria na busca de paz, de liberdade, de esperança e do sentido da vida.
Que lindo foi ver representados, entre os cerca de um milhão de peregrinos, cerca de 56 países; ouvir rezar o terço, sentidamente, em várias línguas, entre as quais a árabe; registar a presença de bispos e cardeais de várias procedências; contar, como peregrino entre os peregrinos, do Papa Francisco, com todo o seu carisma e força espiritual; e sentir, nos enormes silêncios que se fizeram, nas orações e preces que se disseram ou se interiorizaram, nas alegrias e tristezas que se manifestaram, nas angústias e dúvidas que se partilharam, o coração da Mãe e a presença do Redentor!
Quero crer, na linha de Vieira, Pessoa e Agostinho da Silva, que Fátima reúne condições para se tornar cabeça do mítico Quinto Império que anteviram. Não no sentido profético de um “Império Universal da Cristandade”, tutelado por Portugal, com o propósito de dilatar a fé e o império, como o Padre António Vieira prognosticou. Nem, tampouco, no sentido cultural profetizado por Fernando Pessoa, em que à língua e cultura portuguesas estaria reservado o papel de servir de cimento aglutinador dos vários povos do mundo. Mas antes no sentido de um Império da Paz e da Concórdia, com carácter espiritual e ecuménico, como Agostinho da Silva o visionou.
Partindo de uma catolicidade autêntica, vivida sob o primado do Espírito Santo, este filósofo e pensador preconizava uma espiritualidade cristã e ecuménica, aberta à contraditoriedade de todas as religiões, que se assumiria como elo de ligação de todos os povos, línguas, culturas e crenças do mundo. E a Portugal e aos demais países lusófonos caberia a função de servir de mediador cultural e espiritual de uma nova forma de ser e de estar no mundo.
Tal como Agostinho da Silva, acredito que entre as sombras e as esperanças da vida neste mundo, seja possível instaurar “um império sem clássicos imperadores”, que congregue pessoas de diferentes ideologias e religiões, numa visão pluralista e universal. E para que este sistema agregador vingue, nem sequer falta a Fátima o modelo perfeito que são as crianças Francisco e Jacinta Marto, ora elevadas aos altares, símbolos da inocência, da bondade e da santidade.
Lutemos, pois, por esta utopia que pode bem servir de linha orientadora de uma nova evangelização ou, se se preferir, de uma nova globalização, integradora e pacificadora das relações mundiais, quiçá inspiradora da reorganização e da acção das organizações internacionais e de uma nova ordem jurídica global.
Se é possível, como creio, lutar pela construção de uma sociedade sem preconceitos, onde se cultive a bondade, a abertura ao próximo, a vida simples, a liberdade, a responsabilidade e o amor aos outros, então penso que Fátima pode bem tornar-se a capital do Império da Paz e da Fraternidade.
Autor: António Brochado Pedras