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Falsas flores

A sorte dos cronistas é que o tempo e as coisas andam de tal forma embrulhados que, mais cedo ou mais tarde, lá aparece uma boa desculpa para o mote da escrita. A última vez que passei por uma, distraída daquela nudez natalícia de folhas, piquei-me num dos espinhos bravos que possuem nos ramos. Claro que isto seria episódio digno de indignação, nunca de crónica, mas depois veio a poesia, esse mundo fantástico onde as catalogações e cronologias são inúteis. Folheio um livro pequenino e diz-me António Gedeão:

Algum dia o poema será a buganvília
Pendente deste muro da Calçada da Graça

Então, quando nada restar, nem o pó de um sorriso
que é o mais leve de tudo que se pode supor,
será esse o momento de o poema ser flor,
mas já não é preciso.

Quererá o acaso que eu faça as pazes com a buganvília e escreva umas linhas sobre ela? Seja! A buganvília deve o seu nome ao apelido de Louis Antoine de Bougainville, amigo do primeiro botânico a descrever esta planta. É uma trepadeira originária da América do Sul, que se tornou popular um pouco por todo o mundo, particularmente nos climas mais quentes. Não exige grandes cuidados culturais a não ser em termos de poda, para controlo do vigor desordenado dos novos rebentos. As flores são os pequenos tubos brancos ou amarelados que se encontram no interior de três brácteas (folhas modificadas) unidas. São estas brácteas com textura de papel, que tomamos por flores, as verdadeiras responsáveis pelo colorido diversificado e luxuriante das buganvílias.

Por agora, chega – feitas as pazes com a planta, continuo com um livro para acabar esta tarde de sábado. Não me apetece escrever sobre a insignificância de algumas flores e a necessária compensação estética das brácteas, nem, muito menos, fazer quaisquer paralelismos com o mundo das pessoas. Ando à procura desse desprendimento tão fugaz que é esquecer o tempo a passar e ser feliz com este sol de Inverno.


Autor: Fernanda Lobo Gonçalves
DM

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15 janeiro 2017