Em cerca de oito meses o Presidente da República devolveu, vetando, duas versões da lei sobre a despenalização da eutanásia, politicamente dita de ‘decreto-lei sobre a morte medicamente assistida’.
Desta vez (a 29 de novembro p.p.) o PR solicita que seja aferida alguma terminologia, isto é, que seja explicada e usada de forma uniforme. Diz a carta-mensagem enviada ao Parlamento: «O legislador tem de escolher entre exigir para a eutanásia e o suicídio medicamente assistido – que são as duas formas da morte medicamente assistida que prevê, entre a “doença só grave”, a “doença grave e incurável” e a “doença incurável e fatal”. Isto, porque, no novo texto do diploma ora usa “doença grave ou incurável”, o que quer dizer uma ou outra, ora define aquela como grave e incurável, o que quer dizer, além de grave, também incurável, ora usa “doença grave e fatal”, o que quer dizer que, além de grave e incurável, determina a morte. Não apenas é grave, incurável, progressiva e irreversível, como acontece com doenças crónicas sem cura e irreversíveis. É fatal».A 15 de março passado, o PR tinha já vetado o anterior decreto do Parlamento sobre esta matéria tendo em conta que o Tribunal Constitucional, ao qual enviara o diploma para fiscalização preventiva, e que o considerara inconstitucional por ‘insuficiente densidade normativa’ do artigo 2.º, n.º 1, que estabelecia os termos da morte medicamente assistida deixar de ser punível.
1. Vinte e seis anos de discussão sobre a eutanásia tiveram – sobretudo neste tempo de pandemia – uma verdadeira saga de falta de senso, senão mesmo de hipocrisia. Quando morriam por dia centenas de pessoas de ‘covid-19’, a 29 de janeiro, o Parlamento aprovou a primeira versão da lei… que foi vetada a 15 de março… Agora, depois de terem sido marcadas eleições para janeiro do próximo ano, no dia 5 de novembro, foi aprovada a nova versão, ao que parece mal corrigida e muito menos aumentada… Os trabalhos da ’25.ª hora’ foram atabalhoados, ineficazes e inconsequentes… Basta ler carta-mensagem do PR e ficaremos a saber a sua leitura, impressão e conclusão.
2. Para quem deseja fazer passar a ideia de que este tema da eutanásia configura uma vertente algo humanista e não ideológica, tem-lhe sido difícil conjugar as ideias e muito menos de ser capaz de parecer sério, pois sereno nunca foi e convincente tão pouco… Não têm lá nas assessorias quem reveja os textos e anote as incongruências? Não conseguem dizer ao que vem, metendo os pés pelos cotovelos e criando a certeza de que a eutanásia é um razoável ‘fait divers’ quando as coisas estão a correr mal para as parcerias de conveniência. As pessoas normais não merecem mais respeito do que terem de aturar as manias de certos políticos para os quais a vida, para além de parecer descartável, se torna enfadonha quando vivida com valores mais do que materialistas?
3. Apesar de circularem baixos-assinados na internet ou de certas forças mais conotadas com a linha da vida – em especial ligadas ao cristianismo – não foi preciso recorrer a esse expediente de sabor populista, pois a verdade emerge mesmo quando menos se espera. Com efeito, neste como noutros problemas, vem-me à lembrança essa frase evangélica: os filhos das trevas são mais espertos do que os filhos da luz… só que o texto não explicita que os filhos da luz são (ou podem ser) mais inteligentes do que os das trevas. É isso mesmo que reporto neste tema: tantas espertezas, mas sempre deixam alguma ponta solta para desfazer o novelo com que tentam enredar-se.
4. Agora que já sentimos os sons, as memórias e as vivências do Natal, à mistura com os cuidados no ‘estado de calamidade’, podemos e devemos refletir com mais serenidade sobre o que leva algumas pessoas – que até reputo de capazes de refletir minimamente – a insistirem nesta matéria da eutanásia? De pouco valerá a vida se ela só for para ser consumida com trejeitos de imediatismo, de epicurismo ou de mera contingência egoísta. Precisamos de algo mais do que experiências fugazes. O Natal é do festejado, Jesus, feito homem por nosso amor e para nossa glorificação.
Autor: António Sílvio Couto