Desde há muito tempo e, nas últimas semanas muito intensamente, jornais, rádios e televisões em Portugal têm dado grande atenção às questões da saúde e ao Serviço Nacional de Saúde (SNS).
As greves têm sido bastantes e tem-se falado imenso sobre a falta de profissionais: médicos, enfermeiros e auxiliares; tem-se apontado a falta de meios, de medicação de última geração, da enorme dívida do Ministério da Saúde a fornecedores, de falta de investimento no sistema, mas em toda a discussão sobre temas das políticas públicas de saúde, nada se disse sobre preocupações dos utentes do SNS relativamente à legalização da eutanásia.
Parece poder-se concluir que a preocupação com a eutanásia é de uma minoria, porque a larguíssima maioria dos portugueses está preocupada com outros temas, tais como: a igualdade no acesso aos cuidados de saúde, a qualidade da assistência prestada, as listas de espera para consultas e cirurgias, a cota-parte dos custos dos cuidados de saúde que diretamente pagam do seu bolso e, principalmente os mais informados, o grande problema da sustentabilidade económica do SNS.
Todos sabemos que a igualdade de acesso aos cuidados de saúde é uma questão importantíssima. Neste capítulo, não é o mesmo viver numa grande cidade, como Lisboa, Porto ou Braga, no interior do país ou numa ilha açoriana como, por exemplo, o Corvo; a geografia coloca os cidadãos em condições muito diversas e exige do Estado medidas eficazes que permitam a igualdade de acesso a todos, vivam onde viverem; os portugueses têm todos igual direito aos cuidados de saúde.
O problema dos custos imediatos com saúde também causam preocupações, e grandes, numa população que, em número muito significativo, tem salários e pensões muito baixos. Há poucos dias, e em linha com o que ouvi há pouco tempo numa conferência a um dos maiores especialistas na matéria, a imprensa dizia que esses custos directos andam à volta de 28 a 30%.
Isto é: em média, por cada 100 euros gastos em saúde, os portugueses pagam directamente do seu bolso 28 ou 30 euros. Quem já não se apercebeu, estando numa farmácia, que alguém não adquiria toda a medicação prescrita, porque não tinha dinheiro para isso?
Mas provavelmente a maior preocupação dos portugueses quanto ao SNS é a sua sustentabilidade económica. Nas discussões sobre esta matéria é frequente ouvir-se: “a saúde não tem preço, mas tem custos!”, afirmação de uma evidência que muitas vezes nos escapa, tal com escapa a evidência desta outra afirmação: “economia não é tudo, mas está presente em toda a actividade humana”.
Todos os países que têm um serviço nacional de saúde devidamente organizado se confrontam com este problema, porque nenhum estado tem capacidade para pagar tudo a todos. No caso português este problema é objecto de preocupação há muito tempo.
Num colóquio realizado em 2009, aqui em Braga, sobre a sustentabilidade do SNS, comunicações de dois reputados especialistas, Jorge Simões e Hugo Meireles
1, mostraram que as despesas do país com a saúde cresciam muito mais depressa do que a riqueza nacional, pelo que era necessário ponderar bem a situação, porque o financiamento disponível dificilmente podia acompanhar o aumento da despesa.
Ora os factores que exercem pressão para o aumento das despesas do SNS são bem conhecidos: (1) o envelhecimento acelerado da população, (2) o facto das pessoas recorrem cada vez mais a cuidados de saúde e (3) porque os meios disponíveis em termos de medicamentos, aparelhagens, meios de diagnóstico crescem a uma velocidade vertiginosa; mais: o impacto desses três factores não dão sinal de abrandar, antes pelo contrário.
Estes são os problemas que a larguíssima maioria dos portugueses querem ver resolvidos. A urgência posta hoje na despenalização da eutanásia por algumas forças políticas só se pode justificar por razões ideológicas. Mas cabe perguntar: do ponto de vista político, será lícito o Parlamento legislar sobre uma matéria tão grave como a eutanásia quando na última campanha eleitoral nenhum partido se pronunciou com clareza sobre a matéria?
1BRITO, José Henrique Silveira de - Ética, Justiça e Cuidados de Saúde.Publicações da Faculdade de Filosofia da UCP, 2009.
Autor: José Henrique Silveira de Brito