O argumento considerado fundamental apresentado pelos defensores da legalização da eutanásia é a autonomia do ser humano. Afirmam que a toda a pessoa, porque autónoma, tem direito a decidir do seu próprio destino, inclusivamente o direito a decidir sobre a sua própria morte.
É com esta justificação que as propostas de lei entregues na Assembleia da República justificam a despenalização da eutanásia.
Que um doente, em sofrimento, tem o direito de pedir a um profissional de saúde para lhe dar a morte, com certeza; que tenha direito a que a sua vontade seja cumprida, é questão completamente diferente e a que vou responder negativamente.
Como também é indispensável tentar perceber o sentido do pedido de eutanásia apresentado pelo doente; o discurso humano não tem a univocidade da linguagem matemática; nele a metáfora está sempre presente a exigir interpretação.
Comecemos pela questão da autonomia: “o que é que se entende por autonomia do ser humano?” É a capacidade e o direito que ele tem de tomar o seu destino nas suas próprias mãos e decidir sobre ele. Pode, contudo, perguntar-se se a autonomia humana é absoluta, se não tem limites?
Convém não esquecer que, como tudo o que é humano, essa autonomia tem as suas limitações, como é evidente pela experiência da vida; é uma autonomia finita e condicionada.
E é atendendo às limitações que se pode perguntar se a autonomia de um ser humano pode justificar uma decisão que leva à eliminação dessa mesma possibilidade do seu exercício; isto é, se a autonomia pode justificar a opção da eliminação da própria possibilidade de escolha: a eliminação da vida. Isto é, se filosoficamente se pode justificar uma tal opção cujas consequências são irreversíveis? Penso que não.
Outro elemento a merecer análise é este: “o que é que pretende o doente quando pede a eutanásia?” Os profissionais de saúde que trabalham em cuidados paliativos dizem que os doentes que chegam aos serviços com aquele pedido, depois de devidamente tratados e acompanhados, deixam de falar nisso.
Ora parece ser evidente que o pedido não visava efectivamente que os matassem, mas, sim, que os tratassem, que cuidassem deles: que lhes tirassem as dores, controlassem os sintomas, aliviassem o sofrimento, lhe dessem atenção e cuidados.
Os condicionalismos que rodeiam um doente que sabe que caminha para a morte são muitos: a incerteza permanente, o medo de sofrer, o saber que o fim se aproxima, o mistério da morte (alguém dizia que é a experiência mais profunda da transcendência, do inalcançável, do desconhecido), a solidão, a percepção das dificuldades da família em acompanhá-lo nesse fim de vida, quer em termos afectivos quer em termos económicos.
Quantos doentes em fase terminal são levados a pensar que são um peso para todos: família, amigos e profissionais de saúde? A despenalização da eutanásia não será mais um elemento de enorme pressão a incentivar esses doentes a pedir essa “saída”?
Penso que sim e considero inaceitável criar mais esta tremenda situação a quem está a chegar ao fim. Quem está em fim de vida precisa de companhia, não de ser levado a pensar que está a mais.
Autor: José Henrique Silveira de Brito
Eutanásia: a autonomia do pedido
DM
5 junho 2018