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- Através do Decreto do Presidente da República n.º 14-A/2020 foi declarado o Estado de Emergência em Portugal, com fundamento na calamidade pública decorrente do covid 19 e para vigorar até 2 de abril de 2020, sem prejuízo de prorrogação.
É a primeira vez que na vigência da Constituição de 1976 se recorre a essa medida de suspensão de direitos, liberdades e garantias. Em democracia só no dia 25 de novembro de 1975 havia sido tomada uma medida suspensiva das garantias constitucionais, com o
Decreto 670-A/75 de Costa Gomes que declarou o estado de sítio na área da Região Militar de Lisboa, assumindo as autoridades militares a superintendência sobre as autoridades civis e de segurança, com apelo a uma lei do Estado Novo sobre a organização da Nação para o tempo de guerra. No mesmo dia o Conselho de Revolução determinou o encerramento das instituições de crédito.
O n.º 12 do artigo 7.º daLei Constitucional 3/74 não previa o estado de emergência, pelo que essa situação não contribui para a sua distinção com o estado de sítio, ainda que se diga que esteimplique atos de força ou insurreição e aquele os casos de calamidade pública. O artigo 19º da Constituição não diferencia o regime dessas figuras, sendo as mesmas as situações que podem motivar umas ou outras. O estado de emergência é um
menos relativamente ao estado de sítio, onde os pressupostos se revestem de menor gravidade.
Daí que o decreto presidencial limite o estado de emergência ao necessário para a adoção das medidas de combate ao covid 19, essencialmente no que respeita aos direitos de circulação e às liberdades económicas, ficando parcialmente suspenso o direito de deslocação e fixação, a propriedade e iniciativa económica privada, direitos dos trabalhadores, circulação internacional, direito de reunião e de manifestação, liberdade de culto, na sua dimensão coletiva e direito de resistência.
Como o Decreto remete a imposição das medidas concretas para as autoridades públicas competentes, o conselho de ministros decide em 19 de março uma série de medidas como as circunstâncias em que se pode sair à rua, isolamento obrigatório, atividades cujos estabelecimento são encerrados ou restritos a contatos presenciais, privilegiando o trabalho em casa.
Muito se tem discutido sobre a necessidade de decretar o estado de emergência nas circunstâncias atuais de calamidade. As posições contrárias usam como principal argumento que é preferível que, com sentido cívico, as pessoas assumam as precauções indicadas pela DGS e não há sinais de violação que ponham em causa a saúde pública e requeiram outro tipo de medidas. Outros entendem que peca por tardia. Parece certo que os nossos governantes não estavam preparados.
Sou favorável à declaração de estado de emergência nos seus termos, respeitando o princípio da proporcionalidade, não afetando os direitos à vida, à integridade pessoal, à identidade pessoal, à capacidade civil e à cidadania, à não retroatividade da lei criminal, à defesa dos arguidos e à liberdade de consciência e religião.
Por um lado, era uma medida pedida pelos profissionais de saúde, servindo também para serenar a natural ansiedade da generalidade dos cidadãos que a reclamavam. Por outro, reforça a cobertura constitucional a medidas mais abrangentes, dando respaldo, em geral, a medidas como as tomadas pela Presidente da Câmara Municipal de Braga, diga-se, revelando capacidade de liderança necessária em momentos de exceção como os que vivemos, com o regime do chamado horário zero.
Acresce que, se o sentido cívico dos portugueses já se traduzia em geral no “fico em casa”, certo é que não era cumprido por todos, pois, por exemplo, se a Igreja católica assumiu um elevado sentido de responsabilidade ao suspender atos religiosos como as missas, nem todos os alegados cultos o fizeram voluntariamente.
A Assembleia da República autorizou sem votos contra. Permitirá ainda alguma estabilização legislativa. Que todos nós possamos ultrapassar este hora negra planetária, uma pausa sofredora para regressarmos mais fortes e mais conscientes da necessidade de reforçar os sistemas de saúde e de prevenção.
Autor: Carlos Vilas Boas