Encerraram-se ontem, com o Dia de Reis, os festejos natalícios. Esta celebração católica, também designada Epifania do Senhor, evoca a data em que, segundo a tradição cristã, alguns magos do oriente, guiados pelo brilho e encantamento de uma estrela, visitaram e adoraram, em Belém, o recém-nascido Menino Jesus, levando-Lhe, como presentes, ouro, incenso e mirra.
Apesar da importância religiosa desta festividade – que marca o dia em que Deus revelou o seu Filho ao mundo e o manifestou universalmente e nos convida a viver com Ele e Nele o amor ao próximo e a oferecer-Lhe os nossos dons – e da relevância social que ainda hoje continua a ter para muitos católicos portugueses (que na noite de véspera reúnem a família numa pequena consoada natalícia), não é sobre esta Epifania que pretendo discorrer. Aquela sobre que quero opinar é outra. É de carácter político e cívico e tem como pano de fundo as eleições legislativas do próximo dia 30 de Janeiro.
Semanticamente, a palavra epifania – do étimo grego “epipháneia”, que significa “brilho”, “aparição”, “manifestação” – está originalmente ligada ao seu sentido filosófico e literal, expressando um sentimento de súbita e profunda compreensão da essência das coisas, comparável ao que resulta da realização de um sonho de difícil concretização, através de um pensamento inspirado e inspirador.
Ora, com o regime democrático que o 25 de Abril instaurou, criou-se justamente a expectativa ou o sonho de que a sua plena concretização trouxesse consigo o livre acesso dos cidadãos à informação e a uma educação integral, designadamente na sua vertente cívica e política.
Mas, infelizmente, o sistema apresenta debilidades notórias, pois nem a informação é isenta e completamente plural, nem a educação tem o nível adequado e garante a todos condições de igualdade.
Por isso, para vencer tais adversidades, impõe-se que os cidadãos eleitores, apelando ao pensamento crítico sobre a governação que têm e sobre a realidade vivida dia a dia, busquem alcançar as razões por que sucessivas promessas de mudança económica, fiscal, social, cultural e cívica se têm gorado. E que, depois desse exercício, com equilíbrio e bom senso, julguem os concorrentes, escolhendo para seus representantes aqueles que lhes possam assegurar, com credibilidade e capacidade, as mudanças estruturais de que o país tanto carece e a execução das mais adequadas políticas públicas em todas as áreas governativas fulcrais.
Sabe-se que apesar de Portugal ter aderido à CEE (depois redenominada União Europeia) há 36 anos e de há 23 anos haver aderido à União Económica e Monetária, adoptando o euro como moeda única, “o desempenho económico do país nos últimos 20 anos, medido por indicadores como o rendimento disponível das famílias ou o PIB per capita, será o pior desde o final do séc. XIX”. Afirmam-no economistas de reconhecido prestígio, como Ricardo Cabral de que acabei de citar uma passagem do seu artigo de opinião, no Público, da passada segunda-feira.
Por culpa própria (políticas públicas inadequadas ou erradas, corrupção, demérito nacional e baixa qualificação de mão de obra), a que também não são alheias, é preciso sublinhar, a arquitectura do euro e as diferenças substanciais entre as diversas políticas económicas dos Estados-membros mais ricos, Portugal tem sido ultrapassado por países do leste europeu com economias que lhe eram inferiores e tem visto cavar-se o fosso que o separa da média europeia.
A esta lamentável situação, acrescem outras igualmente deploráveis: a corrupção aos mais altos níveis, a crise da justiça, a crescente desigualdade entre interior e litoral, com o consequente despovoamento daquele, a crise do ensino, o agravamento das condições do SNS, o aumento da pobreza, o inverno demográfico, a emigração dos quadros mais qualificados, a crescente desconfiança em relação aos políticos e ao regime (que se mostra incapaz de se regenerar), para falar apenas do que mais salta à vista.
Decorre do exposto que, seis anos volvidos de governação socialista, o quadro nacional se não alterou – antes pelo contrário. E o chumbo do Orçamento de Estado para 2022, que determinou a dissolução da Assembleia da República e a marcação de eleições legislativas antecipadas, aí está para evidenciar as insanáveis contradições políticas e ideológicas que, desde o início da “geringonça”, faziam prever este desfecho.
Bem sei que num sistema eleitoral como o que temos é muito difícil a obtenção de maiorias absolutas. E que, por isso mesmo, é vital para a democracia que nos afeiçoemos às virtudes do diálogo político, sem ódios e com regras éticas claras e bem definidas. E também não ignoro que, face ao que venho de expor, muitos dos meus concidadãos terão legítimas dúvidas na hora do exercício do seu direito de voto.
Todavia, a esses recomendo a (re)leitura do belo poema de José Régio – “Cântico Negro”: “Vem por aqui” – dizem-me alguns com olhos doces,…”. “Não sei para onde vou, Não sei para onde vou – Sei que não vou por aí!”.
Eis, caros leitores, porque desejo vivamente que aproveitem a democracia que ainda vamos tendo para que, no próximo dia 30, num momento de verdadeira epifania, expressem através do voto o sentimento de mudança que me parece essencial para garantir um país melhor, mais igual, mais livre e mais solidário!
Autor: António Brochado Pedras