Crescemos a escutar o cântico mariano “Salve, nobre padroeira...” e faz parte da nossa identidade dirigirmo-nos a Maria com a invocação “ó glória da nossa terra”. Além disso, é com enorme convicção que lhe cantamos, de coração cheio e aberto: “enquanto houver portugueses, Tu serás o seu amor”!
No ano em que se celebram os 375 anos da consagração de Portugal à Imaculada Conceição, elegendo-a como Rainha e Padroeira, e nas vésperas de celebrar a sua Solenidade (8 de dezembro), impõe-se que lhe dediquemos este texto, em jeito de tributo filial e reafirmando Portugal como “Terra de Santa Maria”!
Desde muito cedo, a Igreja dedicou uma particular atenção a Maria. Gn 3, 15 (“Farei reinar a inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta esmagar-te-á a cabeça e tu tentarás mordê-la no calcanhar”) e Ap 12, 1 (“Apareceu no céu um grande sinal: uma Mulher vestida de sol, com a lua debaixo dos pés e com uma coroa de doze estrelas na cabeça”) são textos que a tradição vem lendo em perspetiva mariana. Ainda hoje assim acontece, nas solenidades da Imaculada Conceição e da Assunção de Nossa Senhora, respetivamente. Também no dia 8 de dezembro se proclama o relato da anunciação, em que o anjo Gabriel se dirige a Maria com as palavras: “Salve, ó cheia de graça, o Senhor está contigo” (Lc 1, 28).
Acresce a isso o facto de o Protoevangelho de Tiago (meados do séc. II) dar grande relevo a Maria, exaltando a sua pureza e santidade, e ainda a importância que a Maria deram os Padres da Igreja, o Concílio de Éfeso, em 431 (atribuiu a Maria o título de Theotokos, “Mãe de Deus”), e quase todos os teólogos da Idade Média, Moderna e Contemporânea. Figuras maiores, neste processo, são os Doutores Marianos: S. Cirilo de Alexandria, Santo António de Lisboa, S. Bernardo de Claraval e Santo Afonso Maria de Ligório.
Em Portugal, a Universidade de Coimbra assumiu um papel preponderante na afirmação de que Maria teria sido concebida sem mancha original. Foi também em Coimbra que aconteceu a primeira celebração da Imaculada Conceição, no dia 8 de dezembro de 1320, depois de, a 7 de outubro do mesmo ano, o seu Bispo, D. Raimundo Evrard, a ter instituído como festividade.
A ligação entre Portugal e a Imaculada Conceição ganhou relevo em 1385, quando as tropas comandadas por Nuno Álvares Pereira derrotaram o exército castelhano, na batalha de Aljubarrota. Depois disso, o Santo Condestável fundou a Igreja de Nossa Senhora do Castelo, em Vila Viçosa, e dedicou-a a Nossa Senhora da Conceição. É o primeiro grande sinal desta devoção, na Península Ibérica.
Mais tarde, depois da restauração da independência (1 de dezembro de 1640), o rei D. João IV resolveu declarar Nossa Senhora da Conceição como Rainha e Padroeira de Portugal. Foi no dia 25 de março de 1646, durante as Cortes de Lisboa. A partir desse momento, jamais os reis de Portugal usaram coroa. Em momentos solenes, depunham-na numa almofada, junto à imagem de Nossa Senhora. No dia 28 de julho desse mesmo ano, a Universidade de Coimbra prestou solene juramento, conforme fora determinado pelo Rei. A partir daí, os seus estudantes, antes de tomarem algum grau, deveriam jurar defender a Imaculada Conceição da Mãe de Deus.
O dogma da Imaculada Conceição só foi proclamado cerca de duzentos anos depois, a 8 de dezembro de 1854, pelo Papa Pio IX, através da Bula Ineffabilis Deus: “a doutrina que sustenta que a beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante de sua conceição, por singular graça e privilégio do Deus omnipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do género humano, foi preservada imune de toda a mancha da culpa original, é revelada por Deus e, por isso, deve ser crida firme e constantemente por todos os fiéis”.
Proclamado o dogma, surgiu em Portugal um movimento no sentido de erguer um monumento nacional que assinalasse a definição de Pio IX. Em 1869, concluiu-se esse primeiro monumento, no Monte Sameiro, em Braga. Seguiu-se-lhe a construção do santuário dedicado à Imaculada Conceição de Maria, cuja imagem foi benzida, em Roma, em 1904. É o Santuário do Sameiro, durante meio século o maior santuário mariano português, onde as gentes do Norte continuam a cantar “Salve, nobre padroeira...”, a dirigir-se a Maria com a invocação “ó glória da nossa terra” e a prometer-lhe, de coração cheio e aberto: “enquanto houver portugueses, Tu serás o seu amor”!
Autor: P. João Alberto Correia