Enfada-me ouvir pela milionésima vez falar do Orçamento de Estado pelos peritos em economia e finanças. Dão-me a ideia de que pescam alguma coisa do assunto. Mas que interessa a noventa por cento dos portugueses se as despesas são conjunturais ou estruturais? Se as cativações são o dinheiro que se dá ao menino para meter no mealheiro e não para gastar?
O que lhes interessa é saber se vão ou não receber mais, se vão sentir na carteira as maravilhas que o governo anuncia e, por último, querem saber se o défice de 0,2% tem ou não impacto nas suas contas, isto é, nas suas contas do dia-a-dia. O resto é enfadonho. Enfada-me saber, ou melhor, não saber quem roubou as armas e munições de Tancos.
Enfada-me isso muito mais do que saber quem tomou parte no espetáculo burlesco da recuperação das armas da “casa da avozinha”. Quem se enfada com isto, parece-lhe que há medo de procurar o ladrão e muita pressa em culpar os atores do achado milagroso, milagroso porque se encontrou mais do que o que se roubou.
A bíblia fala em multiplicação dos pães e em Tancos fala-se em multiplicação de armamento. Será que o exército tem vergonha de dizer que não havia inventário e agora não sabe ao certo o que falta no cadastro? Nós queremos acreditar que não; acreditamos que tenham tudo arrolado, mas, como nada dizem sobre isto, toda especulação é legítima e toda a dúvida é natural.
Enfada-me ter observado a fuga de três homens em pleno tribunal. Enfada-se porque ridicularizou o meu país aos olhos de quem nos observa do exterior. Há poucos efetivos, dizem os sindicatos e eu acredito. Há falta de efetivos em todos os setores públicos: nas escolas faltam auxiliares, na saúde faltam enfermeiros, nas forças militares e paramilitares até falta armamento adequado!
Faltas há muitas, mas onde não há pessoal que abonde, não pode faltar a eficiência da gestão de recursos humanos disponíveis. Podemos fazer cinco novos hospitais mas enfada-nos, e muito, pensar que poderíamos fazer, por exemplo ,menos um hospital e, com esse dinheiro, apetrechar os existentes com os modernos meios de terapia e diagnóstico.
Enfada-me pensar que sempre que se fala em corrupção apareça uma figura de topo a encabeçar esta longa lista de prevaricadores de colarinho branco. É que não se trata do pequeno funcionário que deu prioridade a um requerimento, trata-se dos “doutores”, daqueles que por inerência de cargo devem ser os guardiões da decência. Estes senhores não percebem que, com a sua atitude, levam outros a pensar que podem fazer igual. Roubam os valores de consciência de um povo.
Enfada-me pensar que houve parcialidade nos critérios da recuperação das casas ardidas dos últimos incêndios. Enfada-me saber que estas consciências estão tão insensíveis e embotadas de sentimentos que são capazes de olhar para as lágrimas dos outros com os olhos cheios de sorrisos dos seus arranjinhos!
Enfada-me verificar que a RTP seja atualmente um muito presente canal desportivo. E quem não gosta de desporto tem de gramar com futebol, andebol, basquetebol, futsal, em detrimento dos programas a que se habituou a ver no seu canal?
Onde estão as sessões de teatro, das revistas à portuguesa, dos concursos sobre história, geografia, pintores, escultores, músicos, escritores, monumentos portugueses? Enfada-me que a cultura geral dos portugueses se não incentive através desses concursos. Enfada-me este enfado porque é fardo que me enfada.
Autor: Paulo Fafe