Em dia de Natal, sobretudo neste tempo de crescente individualismo e de consumismo desenfreado, faz todo o sentido refletir sobre o espírito natalício.
De facto, nesta quadra tão esperada e especial, onde não faltam enfeites e luzes de cores variadas, a voracidade do dispêndio, tantas vezes supérfluo, perverte o verdadeiro sentido do Natal.
É urgente repor no seu âmago os valores da humildade, fraternidade, amor, esperança e solidariedade. Do mesmo modo, impõe-se estar alerta com redobrado cuidado para a realidade que nos cerca. É necessário olhar com muita atenção não só para o que nos é mais próximo, como também para o que se passa em distintas paragens deste mundo.
Se a acalmia que vivemos é manifestamente aparente e, por isso, motivo de desassossego, também a situação vivida em muitos cantos do mundo não deixa de ser inquietante.
Realmente, Portugal, ao enfrentar o maior ímpeto grevista desde os tempos conturbados do pós-25 de abril, ao ter de rever em baixa o crescimento para o próximo ano e ao ver a dívida externa alcançar, em valores absolutos, números nunca vistos, arrisca-se a não cumprir as metas a que se propôs e, bem pior do que isso, perante circunstâncias externas menos favoráveis, a mergulhar em nova crise de consequências imprevisíveis.
No entanto, se internamente a situação não nos deixa serenados, as guerras e os conflitos existentes um pouco por todas as latitudes, agravando a cada dia o fosso entre ricos e pobres, devem-nos alvoroçar ainda mais. Se a tudo isto juntarmos a indefinição do rumo da União Europeia, o despontar de novos extremismos e a política isolacionista do presidente dos Estados Unidos da América, Donald Trump, devemos ambicionar que este Natal nos traga, principalmente, progresso e paz. Para que tal aconteça e por se manter atual, é preciso, como há seis anos escrevi nas páginas deste jornal, que ninguém fique indiferente…
Porque é Natal, que ninguém fique indiferente à fome, ao frio, à doença e às lágrimas da gente que, nesta noite mágica, em desguarnecido vazio, só vislumbra solidão.
Porque é Natal, que ninguém fique indiferente ao vizinho sem trabalho, à criança sem sorriso, ao velho desprezado, à prostituta da rua, ao prisioneiro insolente, ou ao vagabundo tresloucado.
Porque é Natal, que ninguém fique indiferente aos horrores da guerra, aos cataclismos ou outros desastres naturais, aos martírios que nos agitam o sono e novos sofrimentos mais.
Porque é Natal, que ninguém fique indiferente às desigualdades, às injustiças, aos clamores lobrigados, aos gritos de dor lancinante, aos silêncios compulsivos e aos suspiros abafados.
Porque é Natal, que ninguém fique indiferente ao desespero e às demais agruras despertadas pela crise presente, às escarpas da idade e às ciladas da vida que a vida consente.
Porque é Natal, que ninguém fique indiferente à beleza das estrelas em noite de luar, ao vai e vem das ondas alterosas e à sua espuma branca no revolto mar.
Porque é Natal, que ninguém fique indiferente à perfeição da flor silvestre em manhã de claridade, ao chilrear das aves e à brisa do vento murmurando saudade.
Porque é Natal, que ninguém fique indiferente ao gotejar de frescura da nascente no monte, ao arco-íris de mil cores e ao pôr-do-sol na longínqua linha do horizonte.
Porque é Natal, que ninguém fique indiferente à súplica de um desterrado. A ausência de amarras deixa o barco à deriva que acabará naufragado.
Porque hoje é Natal, que ninguém fique indiferente à luz do sol e ao ar que temos que respirar. São essências da vida que não podemos dispensar.
Porque hoje é Natal, que ninguém fique indiferente ao amigo do lado ou aquele mais distante. A amizade verdadeira permanece e é constante.
Porque hoje é Natal, que ninguém fique indiferente à voz pausada pelo tempo. A experiência vivida traz sapiência ao pensamento.
Porque hoje é Natal, que ninguém fique indiferente ao nascimento do Menino Jesus. O Seu exemplo é nascente de vida e caminho de luz.
Porque hoje é Natal, que ninguém fique indiferente aos Seus preceitos. A Sua doutrina vivida afastará do mundo injúrias e outros defeitos.
Porque hoje é Natal, que ninguém fique indiferente a um pedido de perdão. O indulto oferecido purifica a alma e liberta o coração.
Porque hoje é Natal, que ninguém fique indiferente, seja crente, agnóstico ou ateu. Vamos seguir o exemplo de vida que Jesus nos deu.
Autor: J.M. Gonçalves de Oliveira