Quando o dia da festa do Apóstolo Tiago, 25 de julho, ocorre a um domingo, estamos em Ano Jacobeu. É o que acontece este ano (2021) e, excecionalmente, por causa da pandemia, também no próximo, como determinou o Papa Francisco, por Decreto da Penitenciária Apostólica. Trata-se do Ano Jubilar Compostelano, celebrado desde a Idade Média, por ordem do Papa Calixto II, em 1126. É este Papa que dá nome ao Codex Calixtinus, um manuscrito de finais do século XII, conhecido do público sobretudo pelo seu livro V, o mais antigo guia para os peregrinos que faziam o caminho, incluindo conselhos, descrições do percurso e das obras de arte nele existentes, assim como usos e costumes das populações que viviam ao longo da rota. Os demais livros contêm sermões, narrativas de milagres e textos litúrgicos diversos, relacionados com S. Tiago.
A cerimónia que assinala o início do Ano Santo Compostelano é a abertura da Porta Santa, na tarde do dia 31 de dezembro do ano que precede o Jubileu. Quando, um ano depois, se encerra esta Porta, conclui-se o Ano Jubilar, em que é concedida aos fiéis indulgência plenária, desde que visitem a Catedral e aí façam uma oração. Devem também confessar-se e comungar, no dia de chegada ou num período de tempo de 15 dias antes ou depois, ainda que não necessariamente em Compostela.
Procurando dar mais sentido e força ao Ano Jacobeu, proponho-me dar a conhecer o Apóstolo Tiago, chamado “Maior” para o distinguir do outro Tiago, filho de Alfeu, correlativamente designado “Menor”. Dado que já aqui escrevi sobre o caminho (Diário do Minho, 17 de agosto de 2020), faço-lhe uma alusão breve, dizendo, em síntese, o modo como o vejo, depois das experiências de peregrino.
Tiago é filho de Zebedeu e irmão de João. Um e outro foram chamados por Jesus e “deixando no mesmo instante o barco e o pai, seguiram-no” (Mt 4, 22). Os seus nomes constam de todas as listas dos Doze Apóstolos e Marcos acrescenta-lhes o cognome “Boanerges, isto é, filhos do trovão” (Mc 3, 17), uma designação que deve ter a ver com o caráter impulsivo de ambos (cfr. Lc 9, 54).
Juntamente com Pedro, faziam parte de um grupo restrito que acompanhava Jesus em momentos importantes: ressurreição da filha de Jairo (Mc 5, 37), transfiguração (Mc 9, 2) e oração no Getsémani (Mc 14, 33). Dá a ideia de serem muito próximos de Jesus e talvez por isso Tiago e João tenham ousado apresentar-lhe um pedido insólito (Mateus diz que foi a mãe deles quem o fez e Lucas nem sequer o refere): “Concede-nos que, na tua glória, nos sentemos um à tua direita e outro à tua esquerda” (Mc 10, 37). O pedido provocou a indignação dos restantes (v. 41) e serviu de ensejo a Jesus para lhes dizer que não devem pensar desse modo e que, tal como o mestre, há que colocar a tónica no serviço e não no poder (vv. 42-45). Entretanto, tinha-lhes dito que iriam fazer a experiência de beber o cálice que Ele próprio havia de beber (vv. 38-39), numa clara alusão à sua paixão e morte (cfr. Mc 14, 36).
Não há muitos dados seguros acerca da vida de S. Tiago, mas sabemos que o prenúncio de Jesus se realizou no ano 44 da era cristã, quando Herodes Agripa I “mandou matar à espada Tiago, irmão de João” (At 12, 2). A partir daí, o testemunho e a mensagem a que Tiago entregou a sua vida continuaram, entre a tradição e a lenda.
Nas atuais circunstâncias, falar dele é trazer à mente o caminho que nos leva, ou melhor, que nós fazemos até Compostela. É um caminho que desinstala (o anterior reclama sempre o seguinte) e, mesmo quando se repete, surpreende (tem sempre algo de novo para mostrar e o olhar do peregrino nunca é igual). Parábola da existência e da vida crente, o caminho faz-nos sonhar e fortalece-nos, reconfigura-nos, provoca em nós uma verdadeira experiência de transfiguração.
Para além das celebrações e do caminho, o Ano Jacobeu tem vindo a originar muitos acontecimentos e realizações culturais. Entre nós, no Museu Pio XII, está patente ao público, até ao dia 30 de dezembro, uma exposição intitulada Entre a história e a lenda: Santiago e o Jacobeu. Vale a pena visitá-la e aceitar dela o desafio de nos colocarmos a caminho, a fim de vivermos mais intensamente o Ano Jacobeu em curso.
Autor: P. João Alberto Correia