Poderia ser sobre religião, mas não. Sou católico. Não discuto fé, futebol nem política. Diria, a este respeito, Pascal que “o coração tem razões que a própria razão desconhece”. Porém, dou o benefício da dúvida, em certos casos, à razão. Eles estão no meio de nós não é, certamente, um caso de fé. Caso contrário, usaria o singular: Ele está no meio de nós (já que o mistério da Santíssima Trindade pressupõe que Pai, Filho e Espírito Santo, sejam um só).
Contudo, o plural Eles não necessita da razão que a razão desconhece, ou da fé que torna presente o que os olhos não veem. Eles estão no meio de nós é um facto. Proliferam as lojas, os restaurantes, e, cada vez mais, os empresários chineses, de tal modo que uma revista da concorrência (cujo nome não digo, revelando apenas que sai às quintas-feiras, embora tenha o nome de outro dia da semana) se refira a Eles, como os novos donos de Portugal.
São os chineses que, no dizer de tal publicação, “tomam de assalto empresas estratégicas do país e preparam novos investimentos milionários”. Nos locais mais recônditos e a horas pouco prováveis, eles estão lá. Inclusive nos feriados e fins-de-semana. Eu próprio os encontrei quando há três anos, procurava, no meio de um temporal, e acabado de aterrar nas Flores, um pequeno snack para enganar o estômago.
Não vi restaurantes portugueses, mas eles estavam lá. Eram modestos chineses, não os que estão no meio de nós nos seguros, saúde, eletricidade e construção, mas remediados trabalhadores da restauração. Resumindo, acabei por almoçar num restaurante chinês localizado a poucos metros do aeroporto das Flores.
Outro sinal de que Eles estão no meio de nós, embora nem sempre nos apercebamos da sua presença, passou-se comigo há dias, quando um jornalista estrangeiro me pedia para comentar um inédito investimento chinês em Estremoz. Confesso que fiquei meio atrapalhado, pois eu que deveria ser o poço de informação capaz de saciar a sede jornalística, acabei por verificar que Eles estão no meio de nós, embora mais rápido que nunca e em locais cada vez menos evidentes.
Quem diz Estremoz, onde uma empresa chinesa investe 64 milhões de euros na construção de um complexo residencial (que combina saúde e lazer, o maior do género na história do concelho), diz também, em Alcoutim (onde eles investem 200 milhões no maior parque solar do país).
O ritmo dos acontecimentos é alucinante, assim como os montantes, de tal modo que um especialista que pensa que os domina, é literalmente surpreendido por eles. Uma espécie de polvo com vários tentáculos. Existe sempre outro membro que escapa à vista, mas que agarra oportunidades em locais aparentemente isolados, e que ajudam um qualquer lapaliciano a perceber que, afinal de contas, Portugal não é só Lisboa. Diz a máxima que “para lá do Marão, mandam os que lá estão”, mas até a pacata Bragança não foge ao interesse dos que estão no meio de nós e, qual George Orwell, sabem mais acerca de nós, do que possamos eventualmente supor. Seis milhões é quanto eles pensam investir no hotel mais reputado da cidade.
Os exemplos multiplicam-se. Podemos descer ao nível da geografia, mas não necessariamente, das finanças: 250 milhões é quanto eles ponderam gastar na requalificação da marina de Setúbal, na aquisição do casino de Tróia, entre outros planos.
Mais exemplos de que eles estão no meio de nós, mesmo para os de pouca fé e mais terra-a-terra, aqui fica a notícia de que a CSCEC, uma das maiores construtoras mundiais, tem, desde janeiro, uma filial em Portugal, na expetativa de uma literal carga de trabalhos, desde obras em portos, estradas, ferrovias e aeroportos.
Eles não estão apenas no meio de nós, como inclusive, connosco, no Mundial de 2018, patrocinando a seleção nacional (paga o grupo Hangzhou Wahaha). Apoiam-nos, mas também conta connosco para rasgar o céu. Não é por acaso que eles vão buscar o que de melhor temos ao nível científico, ao assinarem recentemente um contrato com o Centro de Engenharia e Desenvolvimento de Produto (em Matosinhos) com vista à construção do primeiro modelo de avião, projetado pela chinesa Guanyi.
Autor: Paulo Duarte