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Eleições à Quinta?

1.Na voragem das notícias que vão acontecendo, foi noticiado, há umas semanas, que um conhecido político propunha que as próximas eleições se realizassem à Quinta-feira e não ao Domingo, como é costume, para evitar o abstencionismo dos eleitores. A primeira reacção que tive, ao ler a notícia, foi vontade de rir…Nos tempos que correm, em que a política se fechou sobre si mesma e se esquece que existe para servir o povo e regresse às promessas eleitorais de antanho de vinho a pataco e óculos grátis, já é positivo que a gente se possa rir; mas, pensando melhor, até que nem estaria mal pensado para agradar ao povo. Muita gente iria gostar de ter um feriado na Quinta-feira e umas miniférias de fim de semana…Como “somos um país rico”, dois dias de trabalho a mais ou a menos não contam nada… Não sei é se as empresas e os economistas diriam o mesmo; o que sei é que a abstenção seria a mesma… O que me entristece nisto é que continuem a fazer de conta que não entendem o porquê do abstencionismo. É preciso voltar a dizer as vezes que forem precisas que a desmotivação é a razão básica da abstenção. Se o cidadão não vai votar, é porque não está motivado para ir, porque considera uma perda de tempo ir escolher entre o mau e o sem interesse. Caso contrário, se visse que valia a pena ir votar para melhorar a sua vida, corria logo a fazê-lo… 2.Quanto à preocupação dos que se vivem da política e se preocupam mais com a imagem das eleições do que com as boas escolhas políticas, não lhes vai adiantar muito continuarem a insistir que é um dever ir votar… É claro que votar é um dever de cidadania inerente ao regime democrático. É a forma mais elementar de participação, já que não tem havido outra (se bem que, ao nível de freguesia, já se está a ensaiar alguma participação nas escolhas de melhoramentos para apresentar à decisão da Câmara municipal. Já é um começo). Mas, nem só de deveres vive o povo… Quando se diz que é um dever, apela-se a um nível já mais elevado de consciência pessoal, para além do sentimento, que é o degrau básico. Mas, ninguém perguntou ao povo se o degrau básico já estava satisfeito ou se era assim que ele se resolvia… E também não esqueçam que nós vimos de uma longa cultura do dever, onde tudo era deveres e mal se preocupava em saber se essa era realmente a vontade do povo… Confundia-se razão com coração. Tudo era dever. Nada de sentimentos, porque esses são mais difíceis de controlar. Era assim tanto na política como na religião. Hoje, felizmente, as coisas estão a mudar: antes de pensar se é um dever, as pessoas querem saber se lhes é útil ou não. Começam pela base da pirâmide das necessidades. E isso é um direito que ninguém lhes pode contestar. É uma aprendizagem social que leva o seu tempo e tem o seu ritmo. Para evitar a abstenção, alguns até gostariam que o voto fosse obrigatório. Assim, ficava tudo mais certinho na fotografia. É assim e não se discute. Faz-me lembrar a inqualificável atitude do município de Viana em querer impor a demolição do prédio “Coutinho” como uma birra de poder. Parecem incomodados com o espelho do que autorizaram, porque foram eles que autorizaram a sua construção e agora não gostam de se ver… Pelos vistos, agora até um tal ministro se mete nisso. Que descrédito democrático… Para quem ainda tivesse dúvidas, o Programa “Sexta às 9” foi esclarecedor… quanto a declaração de interesses e história de decisões. Se fôssemos a demolir tudo aquilo que não nos agrada, o que é uma atitude subjectiva que se pode tornar arbitrária, então milhares de prédios, por esse país fora, tinham de ser demolidos… Esquecem-se que toda a época tem as suas opções de estilo. Será que também querem demolir os responsáveis pela autorização da construção desse prédio? Há obsessões e tiques de autoritarismo e de falta de bom senso que não são admissíveis num regime democrático. 3.Ainda quanto ao dia de eleições, há pessoas que ainda não perceberam que não é a razão que decide uma eleição, seja ela à Quinta ou ao Domingo. Ninguém ganha eleições apenas com um programa racional… A razão pode esclarecer, mas só o coração pode convencer. A razão esclarece e termina aí o seu papel; depois dessa fase, quem nos pode convencer é a utilidade e a confiança nas razões apresentadas. A razão, sem o coração, não convence ninguém. Há tantas eleições perdidas porque o candidato, embora com razão, não soube mostrar o interesse das suas propostas, não foi capaz de usar a simpatia para chegar ao coração do povo, onde se decide se sim ou não… Voltaremos a este tema elementar. (Nota: o autor não escreve de acordo com o chamado Acordo Ortográfico)
Autor: M. Ribeiro Fernandes
DM

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28 julho 2019