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É Velho

Uma vez uma minha neta chegou da escola do primeiro ciclo e, estando eu a falar sobre um amigo que apelidei de velho, ela corrigiu-me e disse-me, não é velho que se diz, é idoso. Mas idosa és tu em comparação com o teu priminho que nasceu anteontem; velho é o adolescente em relação a ti, velho é o adulto em relação ao adolescente. Todos são idosos, isto é, todos tem mais idade do que os mais novos. Agora, velho, é aquele que tem muita idade seja qual for a comparação que se faça com as idades menos velhas. Não ficou convencida “porque tinha sido a sua professora que lho tinha dito”. Esta confiança outorgada aos professores perdeu-se e é por isso que se lhes falta ao respeito, que se lhes bate e acima de tudo perderam a autoridade da verdade do que ensinam. Sem a contrariar e muito menos desautorizar a sra. professora, continuei a falar com a neta nestes termos: quando falas do teu irmão dizes, é o meu irmão mais idoso, ou o meu irmão mais velho? Quando te referes ao teu pai, aos amigos, dizes o meu velho ou o meu idoso? Mas avô ,dizia ela que não é fácil de convencer: velho é um sinal de pouco carinho, e idoso é uma palavra mais carinhosa de vos tratar. É certo, mas o facto é que velho é a palavra certa para falar de alguém que tem muita idade. Idoso é, e foi, uma tentativa de adocicar ou até homenagear as pessoas que já não são jovens. Mas repara noutra coisa: não basta mudar o nome das coisas, é preciso que as consideremos como elas são; por vezes a nossa consciência fica contente e sossegada se mudarmos a terminologia da realidade; palavras não mudam tudo, embora tenham um papel sentimental a representar. Mas se nada mudar em relação aos idosos como queres que chamemos, ou aos velhos como julgo que devemos chamar-lhes, a mudança de nome é igual a mudarmos a água suja de copo, isto é, a água continua suja apesar de estar noutro copo. Percebo avô, mas também é verdade que se há pessoas que se importam que se lhes chamem velhos, há outras que ficam todas zangadas, até dizem, velhos são os trapos. É verdade, mas isso em nada muda a substância do que estamos a falar. Não é pela beleza do frasco que devemos avaliar o perfume, minha querida neta. O que devemos lutar é para que aos velhos lhes sejam dadas condições de dignidade de fins de vida. Por exemplo, avô? Por exemplo mentalizar os mais novos a dar-lhes o lugar de assento nos serviços públicos, ajudá-los a subir ou descer escadas, deixá-los entrar primeiro nas portas, exigir que lhes dêem reformas condignas e acima de tudo, e queria que nunca te esquecesses disto, quando precisarem do vosso dinheiro “dar-lho com a mão esquerda que a direita não saiba”. Quem dá com ostentação humilha quem recebe. Nada há de mais humilhante que estender a mão aos outros. Mas há instituições de caridade para esses, não há, avô? E até a caridade pública! Mas a caridade não deveria existir, querida neta. A caridade é a vergonha duma qualquer sociedade. O que deveríamos lutar é para extinguir a necessidade para acabarmos com a caridade; enquanto houver caridade é sinal de que há pobres. E a pobreza deveria envergonhar-nos a todos. Então tu não és um idoso? Não, sou um velho e já agora sabes dizer-me alguns homens e mulheres que tiveram como apelido o nome de Velho? Pois então vai lá à tua NET e procura, Plínio – O Velho, Gonçalo Velho Cabral; e mais recentemente, Maria Velho da Costa. Mas avô tu és idoso ou velho? Já fui idoso mas agora sou velho. Julgo que não a convenci mas despediu-se de mim com um beijo que consolou a alma deste velho.

Destaque

Se nada mudar em relação aos idosos como queres que chamemos, ou aos velhos como julgo que devemos chamar-lhes, a mudança de nome é igual a mudarmos a água suja de copo, isto é, a água continua suja apesar de estar noutro copo.


Autor: Paulo Fafe
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27 janeiro 2020